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Quem circular por Araucária, na região metropolitana de Curitiba, vai perceber aqui e ali construções padronizadas conhecidas como Casa da Criança. São 14 unidades, cujos efeitos são visíveis o bastante para serem reconhecidas pelo Unicef (o Fundo das Nações Unidas para a Infância) como uma iniciativa que joga contra a evasão escolar. O projeto – com uma década de janela e ligado à Secretaria Municipal de Promoção Social – não tem firulas: abriga alunos da rede naquele horário que não é o recreio, mas é o princípio da confusão: o contraturno.

É quase consenso entre os especialistas que crianças em situação de vulnerabilidade – ou seja, alvos da violência, do abuso e do abandono – precisam de uma forcinha extra da escola. A moeda é barata – aulas de artes, espaço para brincar, oficina, reforço nos estudos e cuidado por pelo menos mais quatro horas depois das aulas. O contrário disso é a rua. Foi o que Araucária ofereceu, ao custo de R$ 170 por cabeça, atingindo 1,5 mil alunos até 15 anos de idade – todos acompanhados pelo Conselho Tutelar. Não é pouco: 20% da rede municipal está atendida.

Simples assim, o programa é definido por sua coordenadora, a pedagoga Liziane Berno, como um banho de auto-estima na gurizada. E nada mais do que a obrigação. "Modelos como esse estão recomendados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse espaço informal as crianças descobrem que são capazes de aprender. É isso", diz, tirando da manga um número que dá gosto ouvir: 100% dos freqüentadores das casas permanecem na escola – nas quais alcançam 87% de aprovação. Vai tudo bem, mesmo quando as contas do papai não ajudam e apesar de o mundo andar meio arisco.

Em Mandirituba, distante 50 quilômetros de Curitiba, também há quem tenha duvidado da fama de invencível alcançada pela evasão escolar e sacado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) da bolsa. A pedagoga Marlene D’Aroz, que atua na Casa dos Meninos de Quatro Pinheiros, bate palma na porta das escolas do município para saber como vão nos estudos os 80 garotos do projeto – todos oriundos de situação de risco e abrigados no mais festejado programa de acolhimento à infância da Terra dos Pinheirais. O motivo da militância é só um: apesar da boa fama da "chácara", como é chamada, sobram professores com dificuldades em lidar com o histórico dos garotos que viveram em situação de rua.

Como nem sempre a visita de Marlene move mundos, fundos e professores empacados, em 2006 a educadora Araci da Luz, da UFPR, abriu as portas da chácara – com a qual está envolvida desde sua fundação, na década de 90 – para educadores de Mandirituba. Num curso de um ano, a pesquisadora foi ao ponto e esboçaram uma revolução nos costumes pedagógicos. "A escola ainda é concebida para um determinado tipo de criança. As que fogem ao padrão são candidatas ao abandono e à reprovação. Ou seja, vão para a escola recolher mais um fracasso, mais uma frustração. Não são bem acolhidas. Sofrem preconceito", explica, de posse de verdades incômodas que fariam muito bem serem ouvidas em qualquer canto e lugar. Uma palavra fora da boca e pedras fora da mão atingem sem dó quem já foi ferido e não quer mais se machucar.

Em tempo. Este ano, Araci e a turma da chácara vão se debruçar sobre um projeto inédito, a "escola dos sonhos". Vai ser construída no próprio Quatro Pinheiros. Tudo de olho no jeito muito próprio de ser dos meninos. Promete, além de poucas paredes, uma revelação: mostrar que evasão não rima com educação.

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