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Diretora da Clínica Nova Esperança, Aracélis Copedê, atende dependente química, em Curitiba. Perfil de pacientes e dos entorpecentes usados mudou | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Diretora da Clínica Nova Esperança, Aracélis Copedê, atende dependente química, em Curitiba. Perfil de pacientes e dos entorpecentes usados mudou| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Analgésicos

Uso de morfina cresce sete vezes

Entre 1989 e 2009, aumentou o consumo mundial de analgésicos usados para o tratamento de dores moderadas e intensas. O uso de morfina se multiplicou por sete, enquanto o de determinados opioides sujeitos a fiscalização internacional, como o fentanil, se multiplicou por 100. A oxicodona foi multiplicada por 26. Estados Unidos e Canadá registraram os níveis mais altos de consumo de analgésicos do mundo, com 40 mil doses diárias por 1 milhão de habitantes e 20 mil, respectivamente.

Em contrapartida, em muitos países da África, da Ásia e algumas partes da América o acesso a entorpecentes e a substâncias psicotrópicas para fins terapêuticos é escasso ou nulo. De acordo com a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), existe matéria-prima suficiente para atender as necessidades por analgésicos opioides de todos, mas vários fatores impedem o acesso a esses medicamentos. Apesar de o preço ser um dos principais obstáculos, há preparados de baixo custo distribuídos eficazmente em vários países. Para a Jife, isso prova que as barreiras econômicas podem ser superadas.

Entre os obstáculos à oferta de medicamentos, a Jife aponta a formação precária de profissionais da saúde, a falta de regulamentação, as dificuldades de distribuição e a ausência de uma política de saúde integral que inclua o tratamento da dor. Sistemas de fiscalização de drogas poderiam ajudar a assegurar o abastecimento suficiente de entorpecentes e, ao mesmo tempo, evitar o uso inapropriado e abusivo.

Já a produção e o comércio mundial de ansiolíticos e sedativos do tipo benzodiazepina se estabilizaram depois de 20 anos em franca expansão. A taxa atual é de 20 a 30 bilhões de doses diárias de ansiolíticos e de 5 a 9 bilhões de sedativos. (MK)

Oito entre dez pessoas no mundo padecem de dores sem necessidade, não por falta de matéria-prima para medicamentos. O problema está na má distribuição dos analgésicos. Cerca de 90% dessas substâncias lícitas são consumidas por 10% da população mundial, ou seja, nos EUA, Austrália, Canadá, Nova Zelândia e parte da Europa, segundo relatório anual divulgado ontem pela Junta Inter­­nacional de Fiscalização de Entor­­pecentes (Jife), órgão independente destinado a implementar as convenções internacionais das Nações Unidas de controle de drogas. O Brasil tem uma modesta par­ticipação no mercado de analgésicos, mas desponta no ranking mundial pelo abuso de anorexígenos.

A julgar pela frieza das estatísticas, o brasileiro está mais preocupado em emagrecer do que reduzir suas dores físicas. Em média, o Brasil consome pouco mais de 200 doses diárias de analgésicos a cada grupo de 1 milhão de habitantes, ao passo que nos Estados Unidos a quantia chega a 40 mil. Em contrapartida, o Brasil está em terceiro no ranking mundial em uso de anorexígenos, com seis doses diárias a cada mil habitantes, atrás dos EUA, com 11, e da Argentina, com nove. Essa quantia se refere a "doses diárias definidas com fins estatísticos" (S-DDD), que representa uma unidade técnica de medida usada para efeito de análises estatísticas.

Anorexígeno é um psicotrópico usado para emagrecer, induzindo a anorexia, causando a falta de apetite e aversão ao alimento. Os mais usados são a fentermina, femproporex, anfepramona e mazindol. Segundo a Jife, entre 2006 e 2009, o Brasil conseguiu reduzir o consumo per capita desses estimulantes em dois terços aplicando apenas os requisitos de formulação de receitas e tomando medidas contra profissionais da área médica que agiam de forma antiética. A indústria registra queda na demanda desses estimulantes. A fabricação mundial em 2009 caiu em 25% na comparação com anos anteriores devido, sobretudo, à queda da fabricação de femproporex no Brasil.

Femproporex

Usado em várias fórmulas para emagrecer, o femproporex é da clas­­se das anfetaminas e atua diminuindo o apetite, sendo uma das substâncias mais usadas no Brasil, apesar do risco de causar depen­­dên­­cia. Além do abuso no combate à obesidade, também é usado em excesso devido à sua propriedade estimulante. Assim, ca­­minho­­neiros o consomem na forma de rebite para ficar longas horas acordados. Há dez dias, a Agência Na­­cional de Vigilância Sanitária (An­­visa) ameaçou proibir a venda de inibidores de apetite que contêm sibutramina e dos anorexígenos anfetamínicos que têm em sua composição as substâncias anfepramona, femproporex e mazindol.

No último dia 23, a Anvisa fez audiência pública em Brasília para debater a venda de remédios com essas substâncias, mostrando estudos que provam aumento de problemas cardiovasculares nos usuários. Estados Unidos e Europa já restringiram o comércio desses medicamentos. Entidades médicas questionam os argumentos e afirmam que a proibição causaria mais problemas de saúde aos obesos. Para a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, há obesos com dificuldade de mudar o estilo de vida e os hábitos alimentares e, por isso, dependem dos medicamentos. O Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF) também contestou a Anvisa.

Obesidade

Um parecer técnico do CRF fundamentou a eficácia dos medicamentos por meio de estudos que demonstram a ação dessas substâncias na perda de peso, desde que usadas de forma racional. A obesidade é caracterizada como doença pela Organização Mundial de Saúde. Portanto, argumenta o CRF, não se trata de uma questão estética. Para a entidade, a proibição negligenciaria um problema de saúde pública emergente, já que há um número elevado de indivíduos com sobrepeso no Brasil, além de levar ao uso indevido por meios clandestinos, sem acompanhamento médico. Por fim, a audiência pública terminou sem uma decisão da Anvisa.

Usuários misturam entorpecentes e medicamentos

Ao longo de 22 anos, a Clínica Nova Esperança, de Curitiba, atendeu 4.450 dependentes químicos. Nesse tempo, a fundadora e diretora da clínica, Aracélis Copedê, observou a mudança do perfil dos pacientes e dos entorpecentes que usavam. No início, sete entre dez eram dependentes de uma droga só, sobretudo o álcool, eventualmente associado a alguma medicação. Depois as drogas eleitas eram a maconha ou a cocaína. A partir de 1994 começou a mudar a população atendida. Até então eram adultos e alguns jovens. A média de idade baixou e hoje estão internados cinco menores de 18 anos.

De todos que por ali passaram, Aracélis afirma sem dúvida que pelo menos 30% misturam o álcool a um medicamento. Muitos usam emagrecedores e ansiolíticos em grande parte devido à cultura da automedicação. O remédio da moda é o tranquilizante rivotril, que não deveria ser usado por quem já tem pré-disposição à dependência química. Segundo Aracélis, é comum chegar paciente cujo médico receitou o ansiolítico. É o caso de Bárbara (nome fictício), 24 anos.

Ela começou a consumir álcool aos 15 anos, logo passou para a maconha e em seguida para a cocaína. Iniciou tratamento no final de 2007 e a médica passou a receitar ansiolíticos. Bárbara acabou substituindo drogas ilícitas por uma lícita. E ficou dependente. Consumia mais do que a dose prescrita. O remédio provocava insônia e ela usava cada vez mais para tentar dormir. Chegou a um estágio avançado de dependência, até iniciar tratamento com um psiquiatra que receitava remédios menos agressivos. Está há seis meses em tratamento na Clínica Nova Esperança, por enquanto livre das drogas e dos ansiolíticos. (MK)

Colaborou Fabiane Ziolla Menezes

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