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Veneno de jararaca: base para remédio patenteado no exterior | Maurício Lima/AFP
Veneno de jararaca: base para remédio patenteado no exterior| Foto: Maurício Lima/AFP

São Paulo - O Brasil é o país que mais perde com a biopirataria. A avaliação é de Bruno Barbosa, coordenador-geral de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Um dos casos mais conhecidos de recurso natural que gerou lucros imensos para a indústria farmacêutica e nenhum centavo para o país é o anti-hipertensivo captopril. O princípio ativo foi descoberto no veneno da jararaca. "Um laboratório ganha cerca de US$ 5 bilhões por ano com o medicamento. Pagamos os royalties para usá-lo", comenta Barbosa. Em entrevista, ele afirma que o Brasil deve assumir uma posição de protagonismo no debate mundial para garantir a participação dos países mais pobres nos dividendos da biodiversidade.

É possível traçar um panorama da biopirataria no país?

Infelizmente não. Não é necessário cruzar a fronteira com o bicho inteiro. Pode ser uma gota de sangue ou uma pena. Às vezes, só uma semente ou, até mesmo, um pouco de terra com micro-organismos. O importante são as informações genéticas. Como não há lei penal específica, não conseguimos autorização para realizar tarefas de inteligência essenciais para apurar crimes tão complexos. Contamos só com penas administrativas – normalmente multas.

Qual é a utilidade dessas informações genéticas?

Os genes guardam instruções para a produção de diversas substâncias que despertam interesse da indústria farmacêutica e química. Eles podem ser inseridos nas células de outros seres vivos que se tornam pequenas fábricas para a produção da substância cobiçada. Recentemente, inseriram em cabras o gene responsável pela produção da teia de uma aranha. O leite das cabras transgênicas foi processado e purificado e produziu uma fibra tão resistente quanto o aço. Cerca de 40% dos remédios usados hoje já são fruto da biotecnologia. Vale lembrar que a indústria farmacêutica movimenta US$ 400 bilhões por ano – cerca de R$ 700 bilhões. O Brasil é o maior alvo, por três motivos: temos um quinto da biodiversidade do mundo, nossas comunidades tradicionais guardam dicas sobre as plantas e animais mais promissores para a descoberta de compostos com interesse econômico e temos uma comunidade científica bem estruturada e em expansão – resultados de pesquisas também dão pistas de genes interessantes.

Quais seres vivos são mais procurados?

Em geral, aqueles que têm toxinas. Dizem que todo remédio é veneno dosado. Seria muito conveniente que o Estado brasileiro realizasse um levantamento das patentes internacionais obtidas com o patrimônio genético nacional, para argumentar no cenário político internacional. A Convenção da Diversidade Biológica (CDB), assinada durante a Rio-92, estabelecia o direito à soberania dos povos sobre os recursos genéticos encontrados no seu território. Com exceção dos Estados Unidos, a maioria dos países assinou a convenção, que não prevê sanção para quem a desrespeita. Na prática, só vigora o acordo internacional de patentes, aprovado em 1994, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), que estabelece três pré-condições para que uma patente seja aceita: objeto inovador, fruto de atividade inventiva e com aplicação industrial. Ou seja, nem uma palavra sobre respeito à soberania dos povos no acesso aos recursos genéticos. Países com grande biodiversidade devem lutar para unir os dois acordos. Mas deve haver sentido de urgência. Se o processo de­­morar uma ou duas décadas, o pre­­juízo do Brasil será astronômico.

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