
Lançado neste ano, o livro Cannabis e Saúde Mental: uma revisão sobre a droga de abuso e o medicamento amplia o debate em torno da maconha seja no efeito como droga psicotrópica ou no uso terapêutico. A obra reúne artigos científicos de 34 professores universitários do Brasil e do exterior. E entre os organizadores está um paranaense: o psiquiatra José Alexandre de Souza Crippa, de 37 anos. Ao lado dos outros dois organizadores da coletânea os também professores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, Antônio Waldo Zuardi e Francisco Silveira Guimarães , Crippa, formado em Medicina pela UFPR em 1994, é uma das referências na pesquisa do uso terapêutico da maconha.
Nesta entrevista, o médico diz que o Brasil é um do líderes na pesquisa do setor, mesmo com a proibição do uso medicinal de substâncias extraídas da maconha. Segundo ele, as pesquisas brasileiras estão voltadas principalmente para o canabidiol, uma das 400 substâncias extraídas da maconha e que pode ser utilizada no tratamento de esquizofrenia e do mal de Parkinson, entre outras doenças.
Qual o principal foco da pesquisa brasileira no uso terapêutico da maconha?
A principal frente é em relação ao canabidiol. O canabadiol é um dos canabinóides, substâncias que atuam no sistema nervoso central, extraídos da maconha. No total, a maconha tem cerca de 400 substâncias, 60 delas canabinóides. Entre elas está o THC (tetra-hidro-canabinol), que é o que causa alterações da percepção de quem fuma maconha, mas também é usado no tratamento de várias doenças, como glaucoma, esclerose múltipla, entre outros casos. Porém o THC muitas vezes gera efeitos colaterais nesses tratamentos, como ataques psicóticos e de pânico, alucinações, entre outros. E é aí que entra o canabidiol, que tem o efeito justamente contrário, ansiolítico, ou seja, deixa a pessoa relaxada. Portanto, aliando o canabidiol ao THC no tratamento de algumas doenças, obtêm-se melhores resultados. Esse remédio é produzido em forma de spray e comercializado no Canadá.
Há alguma descoberta recente no Brasil em relação ao canabidiol?
Já tivemos resultados em relação à esquizofrenia crônica e acabamos de concluir um estudo com transtorno de ansiedade social, que é aquela pessoa que não consegue falar em público, que tem medo de levantar a mão para fazer uma pergunta. Outra pesquisa importante foi com a doença de Parkinson. Descobrimos que o canabidiol não só diminui os efeitos colaterais da medicação usada no tratamento da doença (que vão de alucinações a delírios), como reduz os próprios sintomas do mal de Parkinson, principalmente os tremores.
Em que nível está o uso terapêutico da maconha no Brasil?
Na verdade não existe porque não é liberado. Ainda nem chegamos ao ponto de discutir se o uso terapêutico e medicinal da maconha pode ou não ser liberado. Mas, apesar de estarmos bem atrasados neste debate, o Brasil é um dos líderes de pesquisa neste campo.
Esse contraste atrapalha?
O problema é que a maconha entra no campo ideológico. Existe uma série de pessoas que considera a maconha a droga do demônio e que se a pessoa usar uma única vez vai ter problemas gravíssimos. E há uma série de pessoas que acha que a maconha tem que ser liberada, que isso vai reduzir os índices de criminalidade e o consumo de outras drogas. As pessoas se posicionam de um lado ou de outro. Mas as pessoas só vão chegar no nível do debate terapêutico da maconha quando souberem que é o consumo diário de maconha que causa dependência, que leva a quadros de psicose, a crises de pânico e a outros problemas graves. Na hora que as pessoas souberem disso e a maioria não sabe é que poderemos ampliar o debate para o uso terapêutico.
Seria parecido com o álcool, que é uma droga legalizada e que se consumida moderadamente não causa problemas?
Não necessariamente. Existe uma pesquisa sueca com 20 mil pessoas que demonstra que se a pessoa consumir maconha apenas uma vez na vida ela aumenta em 2,7 vezes a chance de desenvolver esquizofrenia. E se a pessoa consumir 50 vezes maconha ao longo de anos, aumenta em 8 vezes a chance de desenvolver esquizofrenia, que é uma doença psiquiátrica grave. Ou seja, mesmo não sendo uma droga tão potente quanto o crack e a heroína, o consumo ocasional de maconha pode desenvolver quadros psiquiátricos graves, principalmente se a pessoa tiver predisposição genética ou algum outro transtorno psiquiátrico. Por isso é um problema de saúde pública.
Os pesquisadores brasileiros têm dificuldade em desenvolver seu trabalho por conta da proibição da comercialização e uso de remédios extraídos da maconha?
Na verdade isso volta novamente para o campo ideológico. Por exemplo, se você fumar ou beber o canabidiol, não vai ficar doidão, não vai se viciar, nada disso. Mas para poder importar o canabidiol da Alemanha para nossas pesquisas, a Anvisa (Agência Nacional de Saúde) cria uma série de restrições que, se fosse uma susbstância extraída de outra planta, seria muito mais fácil. A burocracia é o que atrapalha.
Por que esse preconceito com a maconha, já que existem outras plantas, como o ópio, de onde se extrai tanto a heroína como uma série de remédios?
A maconha veio trazida pelos escravos. Portanto, historicamente, esteve ligada às classes mais baixas. A minha impressão é de que o preconceito vem daí.
No Brasil, todos os dias há grandes apreensões de maconha. Essa droga poderia ser usada para a pesquisa?
Se fosse legalizado e tivéssemos um laboratório para extrair substâncias como o THC e o canabidiol, sim. Mas como vamos guardar uma tonelada de maconha, que seria mais ou menos a quantidade para extrair essas substâncias, no laboratório de uma universidade pública se na polícia as pessoas invadem e roubam?
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