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“No total, a maconha tem cerca de 400 substâncias, 60 delas canabinóides. Entre elas está o THC (tetra-hidro-canabinol), que é o que causa alterações da percepção de quem fuma maconha, mas também é usado no tratamento de várias doenças, como glaucoma, esclerose múltipla, entre outros casos.” | Daniel Watanabe
“No total, a maconha tem cerca de 400 substâncias, 60 delas canabinóides. Entre elas está o THC (tetra-hidro-canabinol), que é o que causa alterações da percepção de quem fuma maconha, mas também é usado no tratamento de várias doenças, como glaucoma, esclerose múltipla, entre outros casos.”| Foto: Daniel Watanabe

Lançado neste ano, o livro Cannabis e Saúde Mental: uma revisão sobre a droga de abuso e o medicamento amplia o debate em torno da maconha – seja no efeito como droga psicotrópica ou no uso terapêutico. A obra reúne artigos científicos de 34 professores universitários do Brasil e do exterior. E entre os organizadores está um paranaense: o psiquiatra José Alexandre de Souza Crippa, de 37 anos. Ao lado dos outros dois organizadores da coletânea – os também professores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, Antônio Waldo Zuardi e Francisco Silveira Guimarães –, Crippa, formado em Medicina pela UFPR em 1994, é uma das referências na pesquisa do uso terapêutico da maconha.

Nesta entrevista, o médico diz que o Brasil é um do líderes na pesquisa do setor, mesmo com a proibição do uso medicinal de substâncias extraídas da maconha. Segundo ele, as pesquisas brasileiras estão voltadas principalmente para o canabidiol, uma das 400 substâncias extraídas da maconha e que pode ser utilizada no tratamento de esquizofrenia e do mal de Parkinson, entre outras doenças.

Qual o principal foco da pesquisa brasileira no uso terapêutico da maconha?

A principal frente é em relação ao canabidiol. O canabadiol é um dos canabinóides, substâncias que atuam no sistema nervoso central, extraídos da maconha. No total, a maconha tem cerca de 400 substâncias, 60 delas canabinóides. Entre elas está o THC (tetra-hidro-canabinol), que é o que causa alterações da percepção de quem fuma maconha, mas também é usado no tratamento de várias doenças, como glaucoma, esclerose múltipla, entre outros casos. Porém o THC muitas vezes gera efeitos colaterais nesses tratamentos, como ataques psicóticos e de pânico, alucinações, entre outros. E é aí que entra o canabidiol, que tem o efeito justamente contrário, ansiolítico, ou seja, deixa a pessoa relaxada. Portanto, aliando o canabidiol ao THC no tratamento de algumas doenças, obtêm-se melhores resultados. Esse remédio é produzido em forma de spray e comercializado no Canadá.

Há alguma descoberta recente no Brasil em relação ao canabidiol?

Já tivemos resultados em relação à esquizofrenia crônica e acabamos de concluir um estudo com transtorno de ansiedade social, que é aquela pessoa que não consegue falar em público, que tem medo de levantar a mão para fazer uma pergunta. Outra pesquisa importante foi com a doença de Parkinson. Descobrimos que o canabidiol não só diminui os efeitos colaterais da medicação usada no tratamento da doença (que vão de alucinações a delírios), como reduz os próprios sintomas do mal de Parkinson, principalmente os tremores.

Em que nível está o uso terapêutico da maconha no Brasil?

Na verdade não existe porque não é liberado. Ainda nem chegamos ao ponto de discutir se o uso terapêutico e medicinal da maconha pode ou não ser liberado. Mas, apesar de estarmos bem atrasados neste debate, o Brasil é um dos líderes de pesquisa neste campo.

Esse contraste atrapalha?

O problema é que a maconha entra no campo ideológico. Existe uma série de pessoas que considera a maconha a droga do demônio e que se a pessoa usar uma única vez vai ter problemas gravíssimos. E há uma série de pessoas que acha que a maconha tem que ser liberada, que isso vai reduzir os índices de criminalidade e o consumo de outras drogas. As pessoas se posicionam de um lado ou de outro. Mas as pessoas só vão chegar no nível do debate terapêutico da maconha quando souberem que é o consumo diário de maconha que causa dependência, que leva a quadros de psicose, a crises de pânico e a outros problemas graves. Na hora que as pessoas souberem disso – e a maioria não sabe – é que poderemos ampliar o debate para o uso terapêutico.

Seria parecido com o álcool, que é uma droga legalizada e que se consumida moderadamente não causa problemas?

Não necessariamente. Existe uma pesquisa sueca com 20 mil pessoas que demonstra que se a pessoa consumir maconha apenas uma vez na vida ela aumenta em 2,7 vezes a chance de desenvolver esquizofrenia. E se a pessoa consumir 50 vezes maconha ao longo de anos, aumenta em 8 vezes a chance de desenvolver esquizofrenia, que é uma doença psiquiátrica grave. Ou seja, mesmo não sendo uma droga tão potente quanto o crack e a heroína, o consumo ocasional de maconha pode desenvolver quadros psiquiátricos graves, principalmente se a pessoa tiver predisposição genética ou algum outro transtorno psiquiátrico. Por isso é um problema de saúde pública.

Os pesquisadores brasileiros têm dificuldade em desenvolver seu trabalho por conta da proibição da comercialização e uso de remédios extraídos da maconha?

Na verdade isso volta novamente para o campo ideológico. Por exemplo, se você fumar ou beber o canabidiol, não vai ficar doidão, não vai se viciar, nada disso. Mas para poder importar o canabidiol da Alemanha para nossas pesquisas, a Anvisa (Agência Nacional de Saúde) cria uma série de restrições que, se fosse uma susbstância extraída de outra planta, seria muito mais fácil. A burocracia é o que atrapalha.

Por que esse preconceito com a maconha, já que existem outras plantas, como o ópio, de onde se extrai tanto a heroína como uma série de remédios?

A maconha veio trazida pelos escravos. Portanto, historicamente, esteve ligada às classes mais baixas. A minha impressão é de que o preconceito vem daí.

No Brasil, todos os dias há grandes apreensões de maconha. Essa droga poderia ser usada para a pesquisa?

Se fosse legalizado e tivéssemos um laboratório para extrair substâncias como o THC e o canabidiol, sim. Mas como vamos guardar uma tonelada de maconha, que seria mais ou menos a quantidade para extrair essas substâncias, no laboratório de uma universidade pública se na polícia as pessoas invadem e roubam?

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