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 | Cristian Rizzi/ Gazeta do Povo
| Foto: Cristian Rizzi/ Gazeta do Povo

O advento da internet e dos chamados valores da pós-modernidade, como a velocidade e a interatividade, tem provocado mudanças drásticas e irreversíveis na sociedade. O sociólogo francês Michel Maffesoli – teórico do cotidiano reconhecido mundialmente – vem estudando este fenômeno há pelo menos três décadas. Entre as hipóteses que, segundo ele, já se confirmaram está a de que as novas gerações estão "contaminando" as gerações mais velhas de forma cada vez mais rápida. E o que antes era disseminado de cima para baixo, de pai para filho, com alto grau hierárquico, hoje se espalha de forma horizontal e quase sem barreiras. No Brasil, país com alta concentração de jovens, essa nova ordem pode ser percebida com mais clareza, afirma Maffesoli. O sociólogo conversou com a reportagem da Gazeta do Povo durante o 2.° Fórum Político Nacional Unimed, este mês, em Foz do Iguaçu.

Em 2007, o senhor afirmou que o Brasil era um laboratório vivo da pós-modernidade. Qual o papel do Brasil na sociedade em transformação?

Na época em que disse isso, era uma hipótese. Sempre afirmo que os grandes valores da modernidade foram gestados na Europa em torno da racionalidade e do contrato social. Com o tempo, passou-se a ver uma crise deste modelo. Graças ao meu contato com intelectuais brasileiros, passei a perceber que por aqui estavam começando a nascer outros valores, especialmente os valores ligados aos sentimentos, como a paixão, e não apenas a razão. A sociedade parecia não mais estar voltada exclusivamente para o futuro, mas para o bem viver, para o presente. Não deixa de ser uma forma de contrato social. Por essa razão, passei a defender a hipótese de que o Brasil seria um excelente laboratório da pós-modernidade, como a Europa foi um dia o laboratório da modernidade.

Continua pensando assim?

Mantenho a opinião, ressaltando que estamos apenas no começo desse processo de transformação social. Quando vejo a força e o dinamismo do Brasil, aquilo que antes era apenas uma hipótese passa a ser uma convicção.

Em que setores o senhor vê esse dinamismo brasileiro?

Não sou um especialista em economia ou em outras áreas em que o Brasil vem despontando. O que me interessa é o cotidiano, aquilo que chamo de "socialidade", o verdadeiro sentido de cultura. É neste campo que minha hipótese se consolida, quando penso no Brasil e suas potencialidades na construção de uma nova relação em sociedade, na vida cotidiana, no estar junto.

O senhor também afirmou que a sociedade está saturada....

Falo da saturação dos grandes valores que marcaram a modernidade, o que pode ser visto como uma saturação da própria sociedade, no seu sentido de oficial, de institucional. A saturação pode ser interessante se a vermos como o fim de uma era. Percebo que essas mudanças acontecem de forma mais forte na transversal, envolvendo a todos, e não na vertical ou na horizontal. Vim recentemente do México e percebi isso claramente por lá. Essas mudanças no Brasil, no entanto, são mais evidentes. Esta é a atmosfera do tempo que estamos vivendo agora. A marca do clima que vem tomando conta do mundo é a solidariedade e a aproximação.

Podemos situar em que estágio da pós-modernidade estamos?

É bastante difícil de precisar. Não tenho a pretensão de dizer exatamente em que fase estamos. Tenho procurado mostrar as grandes tendências. Podemos ver na metade do século 20 o surgimento dos grandes valores pós-modernos. No fim dos anos 1960 e início dos 1970 se dá a explosão destes valores. O que vemos depois é algo que vai se perdendo em meio à areia. No início deste milênio essas alterações se tornaram mais evidentes e a tendência de antes se confirmou. Quando surgem novos valores, passa-se a perceber um descompasso entre a sociedade oficial e a sociedade oficiosa. A sociedade oficial, a instituída, continua carregando os valores modernos ao mesmo tempo em que, paralelamente, a sociedade oficiosa já está vivendo os valores pós-modernos. Tendo isto em vista, devemos começar a prestar mais atenção nos jovens.

Por quê?

As novas gerações já estão carregadas dos valores pós-modernos, mesmo que estes valores ainda não estejam completamente instalados na sociedade oficial. Do ponto de vista demográfico, tais mudanças também são mais perceptíveis no Brasil.

Podemos dizer que a diferença entre as gerações está cada vez menor?

Sim. É outra hipótese que venho estudando. Assim como a modernidade tem como figura simbólica o adulto, a pós-modernidade tem como figura emblemática o adolescente. O que vemos agora é esta figura emblemática do jovem "contaminando" o conjunto da sociedade e as gerações mais velhas, o contrário do que vimos até então. Não é mais um processo que se dá pela educação, mas pela iniciação. Os jovens iniciam os mais velhos, principalmente quando se trata das novas tecnologias da informação, como a internet e suas redes sociais. Antes tínhamos a chamada "lei do pai", hoje o que impera é a "lei dos irmãos". Por necessidade, os pais estão aprendendo muito mais com os filhos. Traz problemas para as instituições, que não estão preparadas para essa mudança tão rápida. Diante do inevitável, é preciso deixar a resistência de lado e se preparar, evitando efeitos ainda mais drásticos.

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