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“Nós temos uma legislação que garante a rotulagem de alimentos que contêm transgênicos, assinamos o Protocolo de Cartagena e tudo isso coloca no cenário nacional o debate sobre o que queremos produzir.” | Alexandre Mendez/ Arquivo Correio do Povo
“Nós temos uma legislação que garante a rotulagem de alimentos que contêm transgênicos, assinamos o Protocolo de Cartagena e tudo isso coloca no cenário nacional o debate sobre o que queremos produzir.”| Foto: Alexandre Mendez/ Arquivo Correio do Povo

As discussões sobre biossegurança tiveram um capítulo à parte durante a 10.ª Conferência das Partes da Convenção de Di­­versidade Biológica (COP-10), que termina nesta sexta-feira, em Nagoya, Japão. O Protocolo Na­­goya-Kuala Lumpur, documento suplementar ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que regulamenta a responsabilidade dos países que exportam transgênicos caso ocorra algum dano à saúde da população ou ao meio ambiente dos países importadores, foi assinado semana passada, durante a 5.ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena (MOP-5), evento paralelo à COP-10.

Os representantes brasileiros estavam reticentes com a possibilidade de criação de seguros obrigatórios regulamentados por protocolo, mas acabaram cedendo à pressão dos 158 países signatários e assinaram o acordo final. A mudança de postura pode ter levado em conta a possibilidade de o Brasil conseguir mais legitimidade, como país megadiverso, para discutir o acesso e a repartição de benefícios oriundos dos conhecimentos associados à biodiversidade, tema central dos debates na COP-10.

Apesar de assinar o acordo, o Brasil se recusou, junto com outros países exportadores, a estabelecer como diretriz mínima o mapa produzido pelo grupo de especialistas do Protocolo de Cartagena sobre os passos para avaliar o risco de transgênicos. Mesmo assim, a postura do país desagradou as 75 organizações sociais que enviaram um documento com recomendações às negociações e alegam falta de controle em relação à contaminação genética dos campos de milho convencional pelo milho transgênico, o que poderia gerar danos irreversíveis ao patrimônio genético e cultural do país, ao colocar em risco variedades como a do milho crioulo, melhoradas por agricultores familiares.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o professor de Agronomia da Universidade Federal do Rio Gran­­de do Sul Marcelo Gravina Moraes, doutor em Fitopatologia pela Univerdade de Wisconsin (EUA), fala sobre as questões relacionadas à biossegurança nacional. Ele veio a Curitiba como palestrante do Curso Estadual de Aper­feiçoa­mento para Magistrados em Bio­tecnologia, promovido pela Escola de Magistratura do Paraná.

A legislação nacional que trata de biossegurança sobre transgênicos garante total segurança, tanto do ponto de vista alimentar quanto em relação ao meio ambiente?

Do ponto de vista científico, como pesquisador, é complicado falar que a legislação garante 100% de segurança. A tecnologia transgênica tem um princípio de utilização tecnológica que não difere de outras tecnologias genéticas, mas os cuidados são mais rigorosos. Quando se fala em fazer mutação de variedades ou cruzamentos de plantas bem diferentes é algo tranquilo, mas quando se fala em transgenia é um problema. Isso gerou uma série de protocolos analíticos que tornaram o alimento transgênico até mais seguro. O protocolo alimentar é bem completo. Já na questão ambiental é diferente. Aquilo que funciona, por exemplo, no Canadá, pode não funcionar no Brasil, em função do clima e do solo. Por isso, quando um produto é trazido de fora, tem que ser estudado desde o início. Até agora, todas as tecnologias de transgenia reproduzidas no Brasil vieram de fora. E é preciso estudar caso a caso. Por isso, a CTNBio (Comissão Técni­ca Nacional de Biossegurança), que é o órgão regulador no Brasil, exige que as empresas que querem lançar um novo produto apresentem um dossiê com estudos prévios. A análise pode levar anos. Só depois disso, o produto pode ser produzido no campo e ainda assim ele será monitorado. Isso tem ocorrido com soja, com milho e algodão, os três produtos transgênicos produzidos no país.

Muitos biólogos e ambientalistas consideram que o tempo de pesquisa sobre os transgênicos não é suficiente para garantir dados confiáveis em relação aos seus impactos na natureza e no ser humano. O senhor concorda com isso?

Não. As pesquisas com transgênicos começaram na década de 80, os produtos foram para o campo em 96 e nós estamos em 2010. Se compararmos essa situação com o estudo de outras tecnologias da agricultura, não é pouco tempo. E nem estou falando de estudos sobre produtos químicos. Estou falando de tecnologias empregadas cujas consequências não são tão visíveis, como o preparo de um determinado tipo de solo ou ainda o plantio de uma variedade exótica. Eu vejo uma precaução exagerada em relação aos transgênicos, mas não vejo essa mesma preocupação em relação a essas outras situações. E o impacto de uma modificação genética em comparação às outras, muitas vezes, é menor.

Não seria o caso de criar uma regulamentação específica para as outras situações que não têm um controle tão rigoroso como a transgenia?

Talvez essa seja uma boa contribuição, tanto na área de alimentos, como ambiental. Alguns países até regulamentam essas situações, mas o Brasil não. O que os países fizeram agora em Nagoya, durante a MOB-5, foi tentar criar um protocolo padrão que considere questões que precisam ser respondidas. No Brasil, temos todas as políticas possíveis asseguradas pela CTNBio. O que precisamos em relação à agri­­cultura é delimitar o campo de experiência e estabelecer o cenário de risco. Temos as áreas prioritárias e é isso que a legislação protege. Não se pode plantar transgênico em área de reserva, de parques ou em áreas indígenas. Também temos toda a regulamentação do Código Florestal e regulamentações específicas nos estados, como é o caso da produção do algodão. As áreas no Norte do país são protegidas para impedir a mistura do gene transgênico com a espécie nativa. Já em relação à questão alimentar, por exemplo, as pessoas podem consumir transgênicos inadvertidamente, através do consumo de produtos importados que não tenham essa informação no rótulo.

Um dos principais temores dos agricultores contrários aos transgênicos é o de sua plantação ser contaminada. Isso pode ocorrer?

A distância entre uma lavoura normal e uma transgênica, estipulada pela legislação brasileira, é segura. Se houver contaminação será de no máximo 1%. Ocorreram alguns casos onde a contaminação foi maior e estes casos foram noticiados. Sempre temos que pensar em proteger os sistemas produtivos. A liberdade tem que ser garantida ao produtor que queira utilizar o transgênico, mas também é preciso ter cuidados para não afetar os produtores que veem na produção de não transgênicos um outro nicho de mercado.

E em relação às novas tecnologias transgênicas que o Brasil está estudando, o que podemos prever e o que mais pode gerar conflito na área de biossegurança?

Um caso bem nacional será o do feijão que está sendo produzido pela Embrapa. É um produto resistente a vírus, com tecnologia diferenciada e que faz parte do prato do brasileiro. Talvez as pessoas não considerem tanto o mi­­lho e a soja porque são usados em alimentos industrializados, mas pode ser que o feijão mexa um pouquinho com o conceito do alimento e o debate se inflame. Por outro lado, é uma empresa nacional que está desenvolvendo o produto. Será interessante ver qual vai ser a reação das pessoas quando virem que um feijão geneticamente modificado foi produzido pelo governo.

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