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Por ser uma comédia de Lars von Trier, o humor é negro e mais refinado | Divulgação/IFC Films
Por ser uma comédia de Lars von Trier, o humor é negro e mais refinado| Foto: Divulgação/IFC Films

Insegurança - "Nenhuma parte da cidade me dá sensação de tranqüilidade"

Curitiba – "Sempre dirijo com os vidros do carro fechados e com as portas travadas, porque tenho medo. Tenho medo de ser assaltada a qualquer hora, em qualquer lugar, no centro, no bairro. Nenhuma parte da cidade me dá sensação de tranqüilidade. E aconselho meus filhos a fazer a mesma coisa." É assim que a policial civil aposentada Bela Dietrich, 59 anos, define o sentimento de insegurança que sente em Curitiba.

Bela trabalhou durante 16 anos na Delegacia de Homicídios da capital paranaense. Aposentada desde 2004, ela diz que a violência nunca foi tão arrasadora como é hoje. Segundo Bela, as pessoas estão anestesiadas diante de tantos crimes e esperam que a solução venha com um maior número de policiais nas ruas.

Para a policial aposentada, no entanto, a solução vai além disso. "É algo mais complexo. Não se baixa a criminalidade na mira de um cano de revólver. As cadeias estão lotadas, não existe mais uma estrutura familiar, com a responsabilidade na formação do caráter da pessoa. A escola pública não educa como deveria, existe o desemprego. Tudo isso gera violência", opina.

Enquanto políticas sociais mais eficientes não chegam, Bela continua pedindo a seus três filhos (que não moram mais com ela) que telefonem quando saem à noite, digam aonde vão e quando voltam. Quando sai de casa, à noite, Bela não facilita. "Só saio de táxi ou peço a meu filho que venha me buscar." (KMM)

Curitiba – A criminalidade tem mudado a forma de o cidadão brasileiro se relacionar com a cidade onde vive. Em vez de cobrar investimentos do governo no combate à violência, as pessoas têm se acuado e criado barreiras para evitar que se tornem vítimas dos bandidos. É o que revela uma pesquisa Ibope Inteligência sobre insegurança, realizada em todo o país, a pedido da agência de publicidade Nova S/B Comunicação.

De acordo com o estudo, 61% dos brasileiros acreditam que a cidade onde moram é insegura ou muito insegura. Além disso, para 49%, a situação de segurança nos dois últimos anos piorou, enquanto que apenas 21% acham que melhorou. Diante desse sentimento, o brasileiro procura maneiras de se proteger sem esperar ações efetivas do governo. São medidas a princípio simples, mas que fomentam um grande individualismo no ser humano.

Prova disso é o fato de que, coincidência ou não, 61% dos entrevistados só dirigirem seus carros com os vidros fechados; outros 58% não permitirem que seus filhos saiam sozinhos à noite; e 53% deixarem de andar à noite pelas ruas do bairro onde moram. "Temos, cada vez mais, em nosso modelo social de desenvolvimento, uma cultura de individualismo. Isso faz com que as pessoas ajam sem se preocupar com o coletivo", diz o sociólogo e professor da PUCPR, Lindomar Wessler Boneti.

A psicoterapeuta e professora de Psicologia da PUCPR, Renate Vicente, concorda com Boneti. Para ela, as pessoas se individualizam e se isolam porque não sabem em quem confiar. "Pessoas que sofreram qualquer tipo de violência repassam o discurso do cuidado. Como nós seres humanos aprendemos com o comportamento dos outros, acabamos criando uma neurose coletiva", comenta.

Para o sociólogo Boneti, essa não é a única razão que faz as pessoas se acuarem diante da violência. A segunda seria a reação da defesa imediata. "É o reflexo da defesa sem muito planejamento, sem pensar no todo. Se quero me proteger, então me tranco no carro ou dentro de casa." Já a terceira e mais importante, na opinião dele, é a falta de confiança que as pessoas sentem em relação ao setor público. "Me parece que as pessoas não confiam nas políticas públicas e buscam soluções individuais para o problema."

Só que essa reação de isolamento pode estar cedendo espaço para que a violência aumente ainda mais. É o que diz o presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado do Paraná (Sindesp), Jeferson Furlan Nazário. "Esses dados mostram como o brasileiro se tornou refém de situações cotidianas", ressalta. "Está se abrindo um flanco muito grande para ser ocupado pelos criminosos. Hoje já há locais em que podemos transitar e outros, não. Estamos perdendo a nossa liberdade de ir e vir nas ruas! Temos que cobrar, não só do governo, mas da iniciativa privada, ações para que a violência seja combatida", ressalta.

Prova de que é possível diminuir a violência e revitalizar uma cidade é Nova Iorque. No fim do século passado, Rudolph Giulianni assumiu a prefeitura de uma cidade praticamente sitiada pelo crime. Em pouco tempo, e mesmo tendo de enfrentar o duro ataque de 11 de setembro, o prefeito conseguiu trazer os turistas de novo e fazer com que a vida noturna voltasse à tona. Como? Além dos recursos do governo, Giulianni contou com a iniciativa privada. Transformou as quadras da cidade em locais multifuncionais, com teatros, bares, restaurantes e lojas – o que fez com que várias pessoas tivessem que circular por esses espaços dia e noite – e, é claro, aumentou o policiamento em todos os setores. Quem vai a Nova Iorque hoje percebe porque ela merece o título de cidade que nunca dorme. Não pelos tiros e assaltos, mas pela intensa vida cultural noturna que faz parte dela.

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