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Índios cercam avião da FAB no momento da negociação com o governo para questionar as obras da hidrelétrica | Lunae Parracho/Reuters
Índios cercam avião da FAB no momento da negociação com o governo para questionar as obras da hidrelétrica| Foto: Lunae Parracho/Reuters

Problemas em série

Em um mês houve três situações violentas com jornalistas na cobertura de conflitos indígenas:

19.04 - repórter do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) diz ter sido agredido pela polícia legislativa da Câmara Federal quando indígenas ocuparam o plenário.

03.05 - polícia expulsa do canteiro de obras da usina o fotógrafo da agência Reuters Lunaé Parracho e o jornalista francês François Cardona.

18.05 - o jornalista Ruy Sposati, do CIMI teve o equipamento (notebook e câmera fotográfica) apreendido pela Polícia Federal, sem ordem judicial, durante a cobertura de um conflito no Mato Grosso do Sul.

Repúdio

A Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos (Arfoc) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) repudiaram "a forma violenta e anti-democrática" na retirada de Lunaé Parracho e François

Cardona do canteiro de obras. O documento argumenta que os profissionais de jornalismo que estavam atuando na cobertura do fato foram impedidos de trabalhar. Valquir Aureliano, que é um dos diretores da Arfoc, destaca que é lamentável a forma violenta e desrespeitosa que foi dispensada aos profissionais de imprensa. "Infelizmente o livre exercício da nossa profissão de jornalistas da imagem foi mais uma vez agredido", disse.

Boa parte das imagens que mostram ao mundo a controversa construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, encravada na Amazônia, sai das lentes do fotógrafo Lunaé Parracho. Washington Post, Le Monde e El Pais são alguns dos prestigiados jornais estrangeiros que já publicaram fotos de Lunaé. Mas, recentemente, foi o próprio trabalho que desempenha que virou notícia. Durante uma ocupação indígena na usina, o fotógrafo e o jornalista francês François Cardona foram expulsos por força policial e impedidos de registrar o que acontecia no canteiro de obras. O caso aconteceu no dia internacional de liberdade de imprensa, 3 de maio.

Desde 2011, Lunaé acompanha toda a tensão que envolve a construção da usina, a 3,1 mil quilômetros de Curitiba. Não viu apenas as reinvindicações dos índios, mas também a saída de moradores que foram retirados da área da usina, as quadrilhas de desmate ilegal e o inchaço da cidade de Altamira, que sofre com os problemas sociais porque não estava preparada para o crescimento explosivo. Filho do repórter da RPC TV Fernando Parracho, Lunaé cresceu em meio aos dilemas que envolvem a notícia.

Imprensa vigilante

No início de maio, cerca de 150 índios, de oito povos, entraram no canteiro e anunciaram que o trabalho de construção estava suspenso. Conflitos envolvendo indígenas só podem ser analisados pela Justiça Federal, que, em um primeiro momento, negou a reintegração de posse para a construtora. Contudo, a Justiça estadual determinou que não-indígenas saíssem do canteiro. Índios reagiram porque temiam que, sem a presença da imprensa, estivessem sujeitos a violências que acabariam não sendo divulgadas. Paygomuyatpu, índio da tribo Munduruku, ficou com a câmera de Lunaé e registrou a saída forçada pela polícia. A partir daí, o fotógrafo não conseguiu passar da portaria.

O episódio marcou a trajetória de Lunaé, que já perdeu as contas de quantas vezes foi ao Pará e de quantas fotos suas foram publicadas no exterior. Ele calcula que, no último ano e meio, passou oito meses no Norte do Brasil, com a câmera na mão. Mesmo depois da expulsão, ele não desistiu de acompanhar os conflitos na região. Na semana que passou, quando índios voltaram a tomar o canteiro de obras da usina, Lunaé estava lá registrando.

Entrevista

Índios precisam agir para serem notados, diz fotojornalista

Lunaé Parracho, fotógrafo

Em entrevista à Gazeta do Povo, o fotógrafo Lunaé Parracho conta como tem sido a experiência de acompanhar de perto os bastidores da construção da hidrelétrica na Amazônia.

Como decidiu ir para Be­lo Monte?

Foi na época da primeira ocupação de indígenas no canteiro da usina. Estava em São Paulo, acompanhando a movimentação que estava acontecendo no Pará. Quando percebi que algo ia acontecer, fui pra lá, mas cheguei qu ando a ocupação já tinha acabado. Decidi ficar um tempo por lá para entender a história. Foi um mês e meio na região, conhecendo outras situações, como casos de extração ilegal de madeira.

Nessa época você não tinha nenhuma experiência na cobertura de conflitos indígenas?

Eu apenas tinha ido numa aldeia no Nordeste em 2005. Foi tudo novo para mim. Tive que aprender tudo.

Quando está diante da imensidão da obra, o que pensa?

Eu olho a usina e me pergunto a que serve a obra. Eu não sou contra geração de energia. Uso. Mas a forma como a obra se desenrola viola direitos de povos indígenas, ribeirinhos, moradores da cidade que não teve preparação nenhuma para receber um aumento enorme da população. O aluguel disparou, não tem hospital. Na cidade que abriga a hidrelétrica, falta luz direto.

Qual é a percepção que tem dos povos indígenas?

Estão sob ataque. De grandes interesses econômicos. Os povos estão lutando por uma bandeira que vai muito além deles. Lutam pelo direito à terra, para continuar existindo, para manter a cultura deles, mas lutam para preservar a floresta e essa luta traz, dentro dela, um questionamento sobre o modelo de desenvolvimento que o país deveria aplicar na Amazônia. Os indígenas são criminalizados e alvo de muito preconceito. O Brasil não reconhece e não dá valor para a diversidade.

O clima é mais tenso hoje ou quando chegou ao Pará, no início da obra?

Hoje está mais tenso porque o governo vem recrudescendo na relação com os indígenas. Fizeram a obra sem ter consultado previamente os índios. Feriram um direito constitucional e um tratado internacional. Cada vez mais os índios precisam agir para serem notados. No sul da Bahia, por exemplo, um grupo esperava a demarcação de terras há 24 anos e decidiu entrar em 52 fazendas para ser notado. Eles estão sendo levados ao conflito para lutar pelos direitos.

Ninguém te encostou durante a expulsão, mas você considera que a retirada foi violenta?

Eu me senti indignado. Claro que foi violenta, na medida em que você tem na sua frente dezenas policiais com escudos e máscaras de gás e oficial de Justiça diz que está autorizado a usar força policial. Eu não me considero invasor. Naquela situação, estamos falando de um projeto do governo, da maior obra do país, que tem impactos gigantes, que está sendo financiada por dinheiro público, em cima de uma área que foi declarada de utilidade pública, com índios reivindicando direitos, torna a situação toda de interesse público. Como jornalista, tenho prerrogativa de estar acompanhando o que está acontecendo. Nessa situação, não tem como fazer um agendamento com a assessoria de imprensa. É uma situação de conflito.

O que pode mudar o jogo a favor dos índios?

É preciso dar voz. Mais que isso. Ouvir eles. Porque eles estão falando, mas não estão sendo ouvidos. Existem muitos interesses que tentam abafar a voz, deslegitimar os índios, negar a existência. Os direitos deles começaram a ser violados em 1500. Já é hora de o país como um todo prestar mais atenção aos índios do Brasil.

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