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Léia aguarda há quase um ano por tratamento | Walter Fernandes/ Gazeta do Povo
Léia aguarda há quase um ano por tratamento| Foto: Walter Fernandes/ Gazeta do Povo

Investimentos

Financiamento deve ser revisto para melhorar o setor, dizem especialistas

Para muitos especialistas da área de saúde pública, a revisão do financiamento do sistema é essencial para a melhoria do serviço. Atualmente, a lei complementar 141/2012 determina quanto cada ente federativo deve investir na saúde. Para municípios e estados, há a determinação de um porcentual mínimo por ano, com base na arrecadação de impostos. Para as cidades, o valor é 15%, já os estados devem investir no mínimo 12%. Para a União, a comparação é com o Produto Interno Bruto (PIB), mas não há definição de um porcentual. O governo federal deve reajustar o valor aplicado em um ano com base na variação nominal do PIB ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual. Caso haja variação negativa, o valor investido em saúde não pode ser reduzido. Em Curitiba, o valor de previsão de receita orçamentária para a saúde em 2014 é de R$ 1,422 bilhão. Até agosto, o muncípio já havia investido R$ 485,380 milhões no setor e recebido repasses de R$ R$ 496,877 milhões do governo federal e R$ 10,557 milhões do governo estadual. Ao todo, já executou R$ R$ 992,514 milhões do previsto.

Rede básica pode resolver dois terços dos casos

Um dos problemas apontados pela pesquisa é o tempo de espera por consultas e procedimentos no SUS. Entre os entrevistados, 47% afirmaram estar esperando entre um e seis meses por atendimento. Em Curitiba, um levantamento organizado pela Secretaria de Saúde revelou que a taxa de não comparecimento às consultas agendadas com os especialistas e confirmadas pelo paciente fica na média de 30% ao mês.

Para o secretário de saúde de Curitiba, Adriano Massuda, aumentar a oferta de atendimento especializado não é a solução. "Dois terços dos encaminhamentos para atendimento especializado poderiam ser resolvidos na rede básica", afirma. Na capital, para aumentar o número de atendimentos que já são resolvidos nas unidades de saúde, algumas estratégias foram implantadas e estão apresentando bons resultados. Um caso é a redução de cerca de 60% dos encaminhamentos da área de neurologia depois da implantação do Telessaúde. O serviço permite a troca de informações entre médicos da rede básica e especialistas do Hospital de Clínicas online. A partir daí, o médico especializado orienta o generalista a tratar do doente.

Também está estruturada uma central de marcação de consultas médicas, que pode ser acessada diretamente pelos profissionais da rede básica. Se houver disponibilidade do especialista em até 40 dias, a marcação ocorre no momento da primeira consulta. Se o tempo de espera for maior, o usuário fica na fila de espera da especialidade. Quando houver vaga, é feita uma reserva automática e a equipe da unidade básica entra em contato com o paciente para informar da nova consulta e, em caso de confirmação, ele deve buscar uma guia de encaminhamento. Se ele não confirmar, volta para a fila de espera. De acordo com a pasta, entre 5% e 50% das consultas especializadas agendadas não são realizadas, porque o usuário falta por diversos motivos. Esse comportamento implica na não remuneração do serviço, perda de oportunidade de direcionamento da consulta para outro paciente e dificulta a redução do tempo médio de espera na fila.

A percepção do brasileiro sobre a situação da saúde no país é ruim. Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, encomendada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), revelou que 92% dos entrevistados consideram insatisfatórios os serviços prestados pelo setor. Quando a avaliação é do Sistema Único de Saúde (SUS), o índice de insatisfação tem uma ligeira queda e marca 87%. Paradoxalmente, as piores notas atribuídas à saúde pública foram dadas por aqueles que possuem planos de saúde. A pesquisa ouviu 2.418 brasileiros, em todas as regiões do país, e foi divulgada em agosto. Os entrevistados tinham de atribuir notas de 0 a 10, considerando a escala de péssimo a excelente (veja infográfico ao lado).

INFOGRÁFICO: Veja como o brasileiro avalia a saúde

Nos últimos dois anos, 92% dos entrevistados afirmaram que buscaram algum serviço do SUS e 89% dizem que conseguiram usar o sistema. A busca é maior por remédio distribuído gratuitamente, consultas e atendimentos nos pontos de saúde, onde o índice de pessoas que obtiveram o benefício também é mais alto. As dificuldades de acesso estariam na busca e realização de procedimentos de quimioterapia, radioterapia, hemodiálise, cirurgias e atendimento domiciliar.

Para o presidente do Con­­selho Regional de Me­­dicina do Paraná (CRM-PR), Mauricio Marcondes Ribas, os problemas da saúde são semelhantes em todo país e não são restritos ao setor público. "Os planos de saúde não ficaram isentos de reclamação. O que a gente tem batido insistententemente é o subfinanciamento. Além de ser pouco, o dinheiro é mal aplicado."

A avaliação vem ao encontro do que pensa o secretário de Saúde de Curitiba, Adriano Massuda. "Hoje, os maiores desafios da saúde são melhorar a capacidade produtiva e trabalhar o aspecto financeiro, já que há subfinanciamento no país todo", reflete.

Para aumentar a produtividade do sistema, o ideal é que a maioria das pessoas que procura atendimento o recebesse na rede de atenção básica, e não usasse os hospitais como porta de entrada. A pesquisa revela que 49% dos entrevistados procuram pronto-socorros, hospitais e UPAs para conseguir acessar o sistema e 48% buscam atendimento nas unidades básicas.

"A rede básica deveria fazer atendimento a 80% das situações. Como não é resolutivo, ou porque o médico não tem condição de fazer uma medicina melhor, tudo cai nas emergências, que ficam estranguladas", analisa Ribas. Para ele, também é preciso considerar o raciocínio de muitos pacientes que, por saberem que muitos hospitais estão ligados à universidades, associam o serviço especializado à maior qualidade no atendimento e ignoram a rede básica.

Para Massuda, é preciso inverter esse modelo assistencial da saúde, que já foi muito calcado na rede hospitalar. "Hospital é caro para manter, então destina os recursos para as doenças mais graves", diz. Em Curitiba, a tentativa é de fortalecer a rede básica, ampliando o horário de atendimento para conseguir atingir um público maior, e buscar mais resultados nas consultas, para evitar o encaminhamento ao serviço especializado sem necessidade.

Família sofre à espera de atenção

Gesli Franco, da sucursal

Com encaminhamentos médicos nas mãos, a empregada doméstica Léia de Oliveira da Silva, 43 anos, é mais uma paranaense à espera de atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Com uma hérnia no estômago e dois nódulos no pescoço, ela aguarda há quase um ano para receber tratamento adequado em Maringá, Noroeste do Paraná.

A primeira procura foi em outubro de 2013. Sentindo fortes dores no estômago, ela buscou a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e recebeu medicamento intravenoso, sem qualquer diagnóstico do problema. Dias depois, as dores persistiram. Foi quando decidiu ir ao posto de saúde. Chegando lá, diz Léia, a indicação foi de que deveria procurar a UPA. Já sem conseguir andar por causa da dor, ela finalmente conseguiu ser submetida a exames que detectaram uma hérnia de hiato no estômago.

O tratamento segue à base de remédios para controlar os sintomas, mas a doméstica diz sentir diariamente os incômodos e aguarda pela cirurgia feita por laparoscopia. "Eu volto no consultório e o médico diz que precisa esperar um pouco mais para operar, mas eu estou cansada de esperar. É difícil ter que acordar cedo todos os dias para trabalhar sentindo tantas dores." Ela já perdeu 10 quilos desde que adoeceu.

O drama foi agravado depois de descobrir dois nódulos no pescoço. Em dez meses, foram três consultas com o especialista. Na última, em maio deste ano, Léia conta que o médico teria pedido para ela aguardar mais quatro meses para ver a evolução dos caroços. "É uma humilhação o que fazem com a gente. Até agora não me pediram uma biópsia. Às vezes eu não durmo com medo do que pode acontecer."

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