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Há pouco mais de 30 anos, a geada dizimou os cafezais paranaenses e trouxe muita gente para as periferias de Curitiba. Essa saga figura no álbum de família do povo da Vila São Pedro, no Xaxim. Na década de 70 – conta o pioneiro e líder comunitário Aloíze Gogola, 62 anos, havia 7 mil moradores na região. Era se organizar ou se organizar. "Tinha até comissão da água potável", lembra, sobre o período em que saneamento era pedido em novena a São Pedro. Uma das comissões saía às compras, atrás de mantimentos mais baratos, revendidos ao povo da vila. Reza a lenda ter sido a célula dos Armazéns da Família, administrados pela prefeitura de Curitiba.

Eis a questão. Mais importante do que os panelaços, carreatas e passeatas são as experiências das comunidades boas de briga. Elas têm muito a ensinar ao poder público e, por tabela, aos bairros menos agilizados. O conselho de segurança que melhorou as relações de vizinhança no elegante Juvevê é uma prática típica de periferia. E a força-tarefa que está garantindo uma praça de primeira linha para o povo da Vila São Pedro tem muito a ver com o gosto da classe média dos bairros mais centrais.

Outra fonte do "poder popular" são as igrejas. Se hoje a Associação de Moradores da Vila São Pedro é citada como uma espécie de modelo em gestão, parte disso se deve às Comunidades Eclesiais de Base – Cebs. O formato, bastante propagado pela ala esquerda do catolicismo, incentiva a criação de pequenos grupos de discussão, em que se lê a Bíblia e se compara a Escritura com a realidade. Depois, é partir para a ação. Quando se olha a vila dividida em uma dezena de núcleos de atividade, a semelhança não é mera coincidência.

Claro – também tem o dia de ir às falas. Quando pinga a gota d’água, o pessoal vai para a estrada. A Caminhada da Paz, ano passado, levou 300 são-pedrenses ao asfalto. A festa do Dia das Crianças, 3 mil. A praça ficou pequena. Não tinha palco para tanta gente – mãos à obra. Se precisar buzinar, que seja.

O mesmo vale para comunidades recém-nascidas – mas tão briguentas quanto –, como a do Jardim Bela Vista, no Tatuquara, criada em 2004. As 400 famílias locais vivem no fio da navalha com uma ordem de despejo, o que as mantêm à margem de serviços públicos. Resta protestar vez em quando – a exemplo do que foi feito ano passado, no Centro Cívico, com dois ônibus lotados, ou na porta da Cohab. E trabalhar pesado todo dia para administrar água, luz, lixo, atendimento às crianças.

Uma das estratégias é dividir a comunidade em lotes. Cada "liderança de rua" cuida de entre 40 e 70 famílias, repassando avisos e organizando mutirões. O próprio "rabicho de luz" tem de ser administrado, assim como o nivelamento das ruas e o socorro aos necessitados. Uma caixinha comunitária, que dificilmente ultrapassa R$ 300 por mês, custeia as pequenas despesas. E seja o que Deus quiser. "Há uma rede. A gente divide mão-de-obra. Todo mundo tem direito a luz, mas nós vivemos de gato. O que se consegue aqui é com esforço", proclama a líder Vânia Maria Feitosa, 41 anos, sobre a passeata nossa de cada dia – aquela que ninguém sabe, ninguém viu.

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