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Brincadeiras de bater as mãos estão entre as mais tradicionais e não desaparecem nunca: jogos como o adoleta, Popeye e china-lá estão entre os favoritos da criançada até os dias de hoje | Sian Sene/Divulgação
Brincadeiras de bater as mãos estão entre as mais tradicionais e não desaparecem nunca: jogos como o adoleta, Popeye e china-lá estão entre os favoritos da criançada até os dias de hoje| Foto: Sian Sene/Divulgação

Crianças como difusoras culturais

As crianças têm participação importante no processo de difusão das brincadeiras. "Defendo que as crianças são portadoras de tradições que são alteradas, adaptadas e repassadas. Elas produzem cultura não só pelo que assimilam na experiência com os adultos, mas também a partir das relações que estabelecem entre si", diz o educador Nélio Spréa.

A assistente social e educadora brinquedista Ingrid Cadore também vê a criança como fundamental para a disseminação da cultura. "As brincadeiras e os brinquedos são uma forma de transmitir a cultura. Mostram como a criança interpreta seu mundo e deixa sua marca nos jogos", comenta. Ela defende a presença das brincadeiras no processo de aprendizado, dentro e fora da sala de aula. "É brincando que a criança se estrutura como sujeito. Através disso, consegue fazer abstrações do que é essencial para conseguir simbolizar, imaginar e encontrar saídas para dificuldades."

Dedicada há 30 anos a trabalhos com brinquedotecas, Ingrid relata a existência de uma tendência mundial voltada à educação com brinquedos e brincadeiras, o que tem resgatado jogos antigos que beiravam o esquecimento. "No mundo inteiro existe uma preocupação com a defasagem que existe depois que a criança deixa de brincar", afirma. No Brasil não é diferente. "O país inteiro está voltado para isso. Cada escola no seu ritmo. O caminho aponta para que muitos problemas sejam resolvidos a partir de brincadeiras."

Resgate

Confira alguns jogos que continuam no repertório das crianças e que foram resgatados na pesquisa do educador Nélio Spréa.

Jogos de mãos

Brincadeiras que têm o bater de mãos como o principal desafio. Geralmente, seguem o ritmo de versos que são ditos ou cantados pelas crianças. Entre esse tipo estão china-lá, Popeye e adoleta.

Pega-pegas

Com diferentes formatos e em torno de imaginários variados, as crianças iniciam uma espécie de caça. Ganha quem pegar os outros, ou quem não for alcançado. Aqui, enquadram-se mãe cola, balança caixão , polícia e ladrão e mãe polenta (numa encenação, quem pega pergunta onde foi parar a polenta, os que fogem colocam a culpa no gato e saem em disparada).

Variados

Também continuam a divertir a criançada jogos de bafo (disputa de figurinhas), pular corda, elástico, cabra cega (com olhos vendados, a criança tem de tocar nos outros), batata quente (passar um objeto enquanto toca uma música) e amarelinha (saltar entre céu e inferno).

Elas são responsáveis pela maior parte das lembranças da infância. E, além de marcantes, as brincadeiras são disseminadoras culturais e responsáveis pelo desenvolvimento das crianças. Sofrem adaptações ao longo das gerações e ganham novos arranjos, mas não perdem a sua essência. "A brincadeira é a atividade mais completa para o de­­sen­volvimento infantil. Através de­­la, as crianças desenvolvem aptidões físicas, inteligência, alfabetização, relacionamentos de afeto e significados culturais e de vida", resume a assistente social e educadora brinquedista Ingrid Cadore.

Brincadeiras infantis como jogos de mão, pular corda e pega-pegas são o foco de uma dissertação de mestrado desenvolvida pelo educador e músico Nélio Spréa, na Universidade Federal do Paraná. "Com a pesquisa, procurei entender que significados essas tradições mantidas entre as crianças ganham nas escolas, principalmente nos recreios", conta. A vontade de ir atrás dessas explicações surgiu há alguns anos, quando Spréa pesquisava movimentos de cultura popular e se deparou com brincadeiras de roda de crianças do Norte de Minas Gerais.

O recreio escolar se tornou a base da pesquisa que acompanhou meninos e meninas de 3 a 11 anos de escolas municipais de Curitiba. São cerca de 20 minutos aproveitados diariamente pelas crianças para brincar e se distrair entre as aulas. É nesse intervalo que surgem novas brincadeiras e quando as tradicionais são reformuladas. "A partir do momento que as crianças tomam para si a brincadeira, elas passam a fazer parte do repertório e passam por um processo de renovação constante", explica o pesquisador. Ele constatou que jogos antigos como polícia e ladrão, amarelinha, batata quente, elástico, balança caixão e mãe polenta – um jogo tipicamente curitibano, segundo Spréa – continuam a divertir a criançada.

Entretanto, o trabalho também traz novidades. O chocopito, um jogo inventado por crianças da Escola Municipal Professor Lauro Esmanhoto, foi uma das descobertas da investigação. "Uma brincadeira que reúne elementos tradicionais, como a coreografia dos jogos de mão, a parlenda (versos) e a disputa que leva a um vencedor no final", relata Spréa. Seguindo os moldes de adoleta, as crianças passam batidas de mãos e, no fim das palavras "Chocopito, lês primeiro, um, dois, três", quem está na vez tem de pisar nos pés de alguém. "É um exemplo de brincadeira que tem tudo para ser disseminada para outras escolas e regiões", conta o pesquisador.

A importância cultural das atividades lúdicas despertou interesses maiores e Spréa conseguiu apoio financeiro do Fundo Mu­­nicipal de Cultura para desenvolver um documentário em parceria com o fotógrafo e documentarista Elisandro Dalcin. O lançamento será nesta segunda-feira. "Nos propomos a falar da brincadeira de forma séria. A ideia era pesquisar saberes escolares que não são transmitidos pelos professores", afirma a produtora Tatya­ne Ra­­vedutti. "O documentário vai mostrar algumas coisas que são muito comuns no dia a dia das crianças e que não são tão visíveis para os adultos", adianta Spréa.

Serviço: Lançamento do documentário e livreto Brincantes: um documentário sobre a invenção das brincadeiras na escola, de Nélio Spréa e Elisandro Dalcin. Hoje, às 19h30, na Cinemateca de Curitiba (Rua Presi­dente Carlos Cavalcanti, 1.174). Entrada gratuita.

O 1º curso de Educador Brinquedista Hospi­talar, em Curitiba, acontece entre os dias 28 de abril e 1º de maio, no Hospital Pequeno Príncipe (Rua Desembargador Motta, 1.070). Inscrições a partir de R$ 350. Mais informações com a Associação Serpiá pelo telefone (41) 3015-2045, e-mail ingridcadore@onda.com.br ou site www.serpia.org.br.

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Interatividade

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