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Famílias educadoras estão desprotegidas enquanto não há legislação que regule o homeschooling.
Famílias educadoras estão desprotegidas enquanto não há legislação que regule o homeschooling.| Foto: Câmara dos Deputados

Aprovado na Câmara dos Deputados e chegando ao Senado Federal, está o projeto de lei que cria a política de busca ativa escolar. O objetivo é localizar e matricular crianças e jovens em idade escolar que não estejam frequentando instituições de ensino. Além de coercitiva, especialistas não consideram a medida tão efetiva. Ainda assim, colocará as famílias que fazem educação domiciliar nas mãos de juízes que irão definir se há ou não abandono intelectual das crianças. Se aprovado, o projeto de lei buscará crianças e jovens de idade entre 4 e 17 anos.

Se as famílias homeschoolers, que se preocupam com o desenvolvimento pedagógico dos filhos, já sofrem com denúncias em Ministérios Públicos e conselhos tutelares, políticas públicas como a busca ativa escolar deixará o cenário ainda pior. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal deixou claro que a educação domiciliar não é inconstitucional, apesar da necessidade de uma regulamentação pelo poder Legislativo - há um projeto sobre o tema parado no Senado. Mas desde que a prática começou a ser olhada através de questões ideológicas, muitas famílias que a adotam passaram a ser questionadas pela justiça.

Bianca Albuquerque* faz homeschooling com o filho, João Inácio Albuquerque*, e já está envolvida judicialmente por causa da prática. João Inácio frequentava a escola, mas diante da pandemia da covid-19 a mãe decidiu alfabetizá-lo em casa. “Comecei a estudar mais sobre como dar uma educação integral para a criança e deu super certo. Essa foi uma oportunidade para eu ver que eu dava conta de alfabetizar uma criança”, conta Bianca.

Aos sete anos, João já lê com fluência e está acima do nível de outras crianças da mesma faixa etária. Segundo dados do Alfabetiza Brasil, apenas 56,4% dos alunos do 2º ano do ensino fundamental estão alfabetizados.

Bianca não é casada e, no processo judicial para definir questões sobre a guarda do filho, o pai de João, que tinha concordado com a educação domiciliar, utilizou a prática para ameaçá-la. De fato, o pai de João denunciou Bianca por fazer homeschooling e, o mais provável, é que em breve Bianca precisará enfrentar um segundo processo judicial, desta vez só relacionado à prática.

Mas, para ela, o grande problema é que não há nenhuma segurança jurídica que indique qual será o resultado do processo judicial. “Os advogados me falaram isso: olha, a gente não tem como te dar uma resposta de como vai ser a decisão judicial em relação ao homeschooling. O juiz pode desde já dar a sentença obrigando a realização da matrícula sem avaliar a questão educacional, encaminhar para a avaliação a até ignorar o assunto”, relata Bianca.

A busca ativa escolar aumenta ainda mais as chances de colocar pais e mães educadores cara a cara com juízes que decidirão o futuro educacional de seus filhos, muitas vezes movidos por motivos ideológicos.

No caso de João Inácio, ele chegou a ser avaliado por uma assistente social e, de acordo com Bianca, durante a conversa a criança era induzida a declarar que preferiria estudar na escola. Ainda que sem argumentos que fundamentassem a indicação da assistente social, o relatório anexado ao processo indicava que o menino deveria ser matriculado em uma instituição de ensino.

Bianca quer continuar com o homeschooling porque vê resultados positivos no filho. “Quando a educação está voltada para a criança e você vê as dificuldades e potenciais dela, o desenvolvimento é muito maior. Por mais que o tempo de estudo seja menor, o desenvolvimento é mais rápido”, explica Bianca. Ela e outros pais esperam a aprovação do projeto de lei que regulamenta o homeschooling.

Segundo Bianca, alguns pais que praticam a educação domiciliar chegam a ficar receosos ao procurar outros serviços, como por exemplo os de saúde oferecidos pelo SUS, algo que é direito das crianças. E, de fato, um dos incisos do projeto de lei trata da utilização de tecnologia para acesso contínuo aos dados necessários para fazer a busca ativa.

Marcelo Couto é sociólogo, mestre e doutor em família na sociedade contemporânea, e secretário da Família, Cidadania e Segurança Alimentar no município de Osasco, São Paulo. Segundo ele, as crianças que são educadas pelos pais são uma pequena parcela comparada com as que estão fora da escola.

“É preciso separar as famílias que provêm a educação dos seus filhos em casa, daquelas que negligenciam por alguma questão, como crianças envolvidas no trabalho infantil, ou de não ter condições mesmo para que os filhos estudem”, pontua. Até o final de 2023, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) prevê um contingente de 100 mil crianças em educação domiciliar, tendo em vista o crescimento de 50% anuais nos últimos anos. Couto reitera a importância da definição de uma lei que legisle sobre o direito dos pais de educarem os filhos em casa.

A Professora Dorinha Seabra (União-TO) foi a autora do projeto de lei que cria a política da busca ativa escolar, quando ainda era deputada federal. Agora, como senadora, é a relatora do projeto de lei que regulamenta o homeschooling, que está no Senado Federal depois de ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados em maio de 2022. Dorinha foi escolhida como relatora em março deste ano, mas ainda não apresentou um parecer.

Falta de creches e necessidade de trabalhar são os principais motivos de crianças e jovens não frequentarem escolas 

Marcelo Couto ressalta que antes de definir mecanismos de buscas é preciso se dedicar aos motivos daquela criança não frequentar instituições de ensino. “Primeira coisa é identificar qual é a razão daquela criança não estar frequentando a escola e entender a realidade dela para ter uma medida acertada”, explica.

A evasão escolar é um dos problemas enfrentados pela educação brasileira, especialmente entre os jovens. Segundo dados do IBGE de 2022, a evasão escolar é consideravelmente maior entre jovens com mais de 15 anos. O principal motivo da saída da escola entre os homens é a necessidade de trabalhar, já as mulheres se dividem entre a gravidez na adolescência e, assim como os homens, o trabalho. Entre os jovens de 15 e 17 anos, 7,2% não se qualificavam profissionalmente, nem estudavam.

Tratando de crianças entre 6 a 14 anos, 99,4% estão matriculadas. Mas o contexto de escolarização muda para os menores. Entre as crianças de 0 a 5 anos, 54,4% delas estão em creches ou escolas. Das que não estão matriculadas nesta faixa etária, 39,7% delas são por falta de creche e escola ou de vagas na região em que moram.

Neste cenário educativo, fica a dúvida se a coerção para que as crianças retornem às escolas seria a forma mais efetiva. Apesar do Programa Nacional de Educação (PNE) ter como meta de combate a evasão escolar o número de matrículas, é preciso lembrar que existem fatores sociais e familiares que afastam as crianças das salas de aula.

“É preciso entender o quanto a escola é adequada às demandas daquelas crianças. Por exemplo, em relação aos jovens que deixam de estudar para trabalhar, provavelmente venham de uma família que tenha alguma dificuldade de acesso a renda”, comenta Couto. O secretário também acredita que programas de apoio às famílias, que ajudem a sensibilizá-las sobre a importância de ter os filhos na escola, acabam tendo resultados mais satisfatórios.

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