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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Os mandados de busca e apreensão autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), contra oito empresários acusados de defender via WhatsApp um golpe de Estado no Brasil são inconstitucionais, de acordo com juristas entrevistados pela Gazeta do Povo. A ação é mais um item na lista de decisões do magistrado que ganham essa avaliação da classe jurídica.

O ministro tomou a decisão com base em uma notícia-crime apresentada na quinta-feira (18) por entidades jurídicas solicitando que os empresários sejam incluídos no inquérito das milícias digitais. A notícia-crime exige quebra de sigilo telefônico e telemático dos empresários e pede que se investigue a participação deles na preparação dos atos pró-Bolsonaro previstos para o próximo dia 7 de setembro.

Para juristas consultados pela Gazeta do Povo, as entidades que apresentaram a notícia-crime têm claro viés ideológico e objetivo eleitoreiro; Moraes, por sua vez, está agindo fora de sua competência, atropelando o procedimento regular, criminalizando a opinião e instaurando um estado de vigilância da esfera privada análogo ao de ditaduras, afirmam os especialistas.

Um dos membros do grupo de WhatsApp em questão relatou à reportagem que os participantes costumam tratar de vários assuntos, mas sem interesse de articulação política. “Nada articulado, nada organizado, nada hierarquizado, nada partindo para alguma proposta de ação concreta”, afirma. O tom do grupo, segundo ele, é de “conversa de botequim”, e em nenhum momento os membros se organizaram com finalidade golpista, apesar de falas isoladas sugerindo apoio a um golpe.

Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, diz que “além de desvio da competência, de atropelo ao procedimento regular, também as condutas que poderiam ser imputadas não são criminosas”. “São expressões de opinião. Não há nenhum planejamento, nenhum ato preparatório. Todos podem ter a opinião que quiser. O que você não pode é praticar atos que coloquem em risco a segurança das instituições democráticas. Dizer ‘eu prefiro isso, eu prefiro aquilo, gosto de comunismo, gosto de ditadura’, não é crime. O que eu não posso fazer é praticar atos de violência para tentar impor as minhas ideias”, explica.

O advogado Adriano Soares da Costa, especialista em Direito Eleitoral, afirma que as entidades de juristas responsáveis pela notícia-crime estão fazendo ativismo político. “São grupos formados por advogados, juízes e membros do Ministério Público que exercitam uma atividade política através das associações. Por exemplo, no grupo Prerrogativas, formado por alguns ilustres juristas, inclusive, todos têm um alinhamento com um dos lados em disputa na eleição presidencial.”

Alguns desses juristas, recorda ele, acusavam os responsáveis pelos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de utilização do lawfare no Direito. “Isso é muito revelador, inclusive. Todos eles eram críticos da utilização do lawfare, do Direito como instrumento de perseguição política. Mas agora, na prática, endossam o lawfare – porque isso é uma prática evidente de lawfare –, e o pior, em uma conduta atípica, não criminosa.”

Decisão de Moraes evoca esquema de vigilância de estados totalitários, diz jurista

Para Costa, o que está ocorrendo é uma medida contra a manifestação privada de pensamento, o que é inconstitucional e típico de governos autoritários. Ele compara a atuação do poder público brasileiro neste caso ao que fazia a polícia secreta da Alemanha Oriental, a Stasi.

“Em primeiro lugar, temos uma conversa privada entre indivíduos. Quanto às mensagens de texto que foram vazadas, não existe ali menção a um golpe em concreto ou a atos preparatórios para qualquer ataque ao regime democrático, mas sim a emissão de opiniões. Nós podemos concordar ou discordar, mas não se trata de outra coisa ali. E não existe crime de opinião”, diz. “Você pode fazer uma crítica política, uma crítica moral, às opiniões de A, de B ou de C, mas retirar daí a materialidade para qualquer tipo de ação cautelar de natureza penal, como busca e apreensão, apreensão de celulares, bloqueio de contas, congelamento de ativos financeiros, é algo que lembra a conduta de estados totalitários, à revelia da Constituição Federal”, acrescenta.

Costa aponta outro aspecto preocupante deste caso: o vazamento de informação de uma conversa privada está sendo usado para iniciar uma perseguição por parte do poder público. A vigilância de conversas privadas por meio de agentes infiltrados é comparável ao que regimes autoritários sempre fizeram, observa ele.

“Uma conversa em ambiente digital privado, reservado, em que empresários manifestam seu pensamento, gera uma atuação de um braço do Estado de persecução criminal. Isso é um elemento típico de ditaduras, de regimes autoritários, à margem da Constituição e da lei”, critica.

Para o jurista, a decisão de Moraes acaba sendo um estímulo para a existência de outras figuras infiltradas em grupos. “Estão estimulando um pouco aquilo que a Stasi fazia e que os regimes autoritários faziam. É a questão da inexistência do espaço privado. O Estado passa ter o senhorio de tudo. Isso é coisa de Coreia do Norte”, diz. “A percepção que eu passo a ter é que existe um caráter intimidatório – ou, digamos assim, pedagógico – para a sociedade. Você não pode falar o que você pensa em ambiente digital fechado. Isso é uma supressão das liberdades individuais.”

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