O mandado de busca e apreensão realizado pela Polícia Federal (PF) como resposta ao incidente com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no aeroporto internacional de Roma é, para juristas consultados pela Gazeta do Povo, ilegal e abusivo em vários níveis.
A ação foi ordenada pela presidente do STF, Rosa Weber, e realizada pela Polícia Federal na terça-feira (18), na residência do empresário Roberto Mantovani e de sua esposa, Andréia, em Santa Bárbara D’Oeste (SP). Eles são acusados de injúria e agressão contra Moraes.
O objetivo seria colher documentos, celulares e computadores que possam auxiliar na investigação. A PF diz que a investigação apura crimes de injúria, perseguição e desacato contra o ministro. O processo está sob sigilo.
Em primeiro lugar, segundo os juristas, a jurisdição do caso não pode ser do STF em nenhuma hipótese.
No caso da agressão, se não tiver havido lesão corporal, não se trata de crime, mas de mera contravenção penal – tipo de infração que não está abarcado pelo princípio da extraterritorialidade.
Além disso, conforme já mostrou reportagem da Gazeta do Povo, os crimes aventados – injúria, difamação, ameaça e lesão corporal – têm todos pena menor que dois anos de prisão, o que não permite a persecução penal no Brasil.
Para trazer o processo para o país, restaria ao STF alegar que houve "abolição violenta do Estado Democrático de Direito", crime cuja pena varia de 4 a 8 anos de prisão. Para o advogado Igor Costa Alves, mestre em Direito pela Universidade de Lisboa, "não se pode presumir que os ataques verbais a uma autoridade sejam um ataque à instituição a que essa autoridade pertence – que dirá um atentado contra a democracia".
Na visão da advogada e consultora jurídica Katia Magalhães, os ministros estão ampliando de forma descabida aquilo que se enquadra em crime de abolição do Estado de Direito.
"Qualquer tipo de questionamento, de colocação em xeque da eficácia das urnas eletrônicas, por exemplo, tem sido indevidamente classificado como um atentado ao Estado de Direito. Não enxergo dessa forma. As pessoas têm pleno direito de questionar não só o sistema eleitoral, mas até a lisura das eleições e a atuação dos ministros do Supremo. Deve haver um ambiente de liberdade de expressão e, eventualmente, para os casos de pessoas que se sentirem ofendidas, existem os juízos de primeira instância", afirma.
Segundo ela, "existe uma distância gigantesca entre o crime de abolição do Estado de Direito, que exige uma organização estratégica, e o exercício da palavra – que pode estar, eventualmente, no terreno dos crimes contra a honra, mas que não passa da verbalização de ofensas".
Para Katia, a personificação da democracia em um ministro do Supremo "é um reflexo de um autoritarismo crescente no meio judicial". "Na pior das hipóteses, isso poderia configurar um crime contra um homem, contra a sua honra, mas jamais um crime contra o próprio Estado Democrático de Direito. Porque, se adotarem esse raciocínio, haveria uma inteira confusão entre a pessoa de Alexandre de Moraes e a figura do Estado de Direito, e então nós teríamos de volta os tempos de absolutismo – uma interpretação totalmente anacrônica e disparatada em relação aos Estados de Direito modernos", diz.
Busca e apreensão é recurso extremo de investigação; caso tem aparência de "fishing expedition"
Na hipótese de uma ofensa pessoal contra o ministro, se o incidente tivesse ocorrido no Brasil, o caso caberia a um tribunal de primeiro grau.
Por último, ainda que a jurisdição do caso fosse do STF e houvesse justificativa para a busca e apreensão, isso só poderia ser feito depois de outras diligências. "A busca e a apreensão nunca pode ser a primeira medida de investigação", destaca Costa Alves. "Ela tem que suceder outras medidas menos invasivas aos direitos fundamentais e à esfera privada. Só depois, mediante fundadas razões, é que, em tese, é possível uma busca e apreensão. E nada disso parece ter ocorrido nesse caso".
A medida do STF se torna ainda mais grave pela aparência de "fishing expedition" – pescaria probatória. "Parece, sim, haver fishing expedition – pescaria probatória –, que é uma forma de o Estado produzir provas de maneira ilegal e inconstitucional, atentando contra os direitos fundamentais das pessoas – sem qualquer tipo de fundada razão, começar a invadir a privacidade das pessoas para obter de maneira ilícita provas que a incriminem de algum modo", explica Costa Alves. Segundo ele, a comprovação de "fishing expedition" seria, por si só, um caso de nulidade da investigação.
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