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Enquanto esperam para voltar para casa, meninos  da capital recebem atendimento no programa Criança Quer Futuro | Henry Milléo / Gazeta do Povo
Enquanto esperam para voltar para casa, meninos da capital recebem atendimento no programa Criança Quer Futuro| Foto: Henry Milléo / Gazeta do Povo

Proteção

Veja o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente em relação aos direitos dos meninos e meninas brasileiros:

Artigo 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Artigo 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Estatísticas

Um país de 23 mil "Antônios"

A trajetória de Antônio* é semelhante à de 23.973 meninos e meninas que vivem nas ruas de 75 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes. Antônio e os outros garotos só entraram nas estatísticas oficiais do poder público no ano passado, quando foi realizado o primeiro censo da população infantil em situação de rua. Até então, o Estado nem sequer sabia quantos eles eram e onde estavam.

Antônio tem 16 anos e está fora da escola. A convivência com a mãe ocorreu apenas até os 10 anos e desde então ele morou na casa de conhecidos, na rua, em clínicas para tratamento de dependência e também passou um ano e meio em um Centro de Socioeducação. Para aguentar a dureza da vida adulta precoce fez uso de álcool, cigarro, maconha, cocaína e solvente, o "cheirinho", na gíria da rua.

Para se sustentar, Antônio fez pequenos furtos, mas o dinheiro mesmo veio do trabalho como servente de pedreito e pintor. Ele foi ao Criança Quer Futuro esponta­neamente. Estava morando com um amigo, que o expulsou da residência. Sem saber para aonde ir, foi até um posto da Guarda Municipal pedir abrigo. Os funcionários do programa ainda tentam encontrar uma solução para Antônio. A mãe fugiu da antiga casa com o filho mais novo e não deixou nenhum contato. A irmã mais velha está morando com os tios, que não querem Antônio. O destino dele será provavelmente uma instituição de acolhimento.

O censo mostrou que a maior parte das crianças e adolescentes nas ruas brasileiras tem o perfil de Antônio. Dos 23 mil meninos e meninas, 16 mil têm entre 12 e 17 anos. Metade são pardos como o garoto curitibano e 40% estudaram somente até a 4ª série. (PC)

*nome fictício

Cidadania

Políticas públicas ainda são falhas

Apesar dos avanços, as políticas voltadas para crianças e adolescentes ainda precisam melhorar para garantir efetivamente acesso à cidadania. É preciso que os meninos e as meninas sejam prioridade absoluta, como prevê a Constituição Federal, e tenham os direitos fundamentais garantidos, evitando assim a ida para as ruas.

As abordagens dos funcionários do Criança Quer Futuro nas ruas ainda são tensas, porque há a presença da Guarda Municipal. Além disso, o programa faz somente buscas ativas na região central da cidade. Isso significa que, se houver meninos e meninas nas ruas da Vila Torres ou no Parolin, por exemplo, a equipe só vai se houver uma chamada telefônica.

Outra questão é que a cidade recebe muitas crianças da região metropolitana, mas elas não são atendidas pela capital. Quando ocorre a identificação, os meninos e meninas são entregues ao conselho tutelar do município de origem, que, na maioria das vezes, não tem o trabalho em rede de Curitiba. Assim, o ciclo de pobreza e fuga para as ruas continua.

Vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ariel Alves afirma que as crianças em situação de rua são um dos problemas mais antigos da infância vulnerável brasileira. As violações de direitos sofridas por elas foram um dos propulsores para a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. "Apesar disso, o poder público esteve ausente. Essa foi a área mais negligenciada e agora é tempo de rever estas políticas", diz.

Recolhimento

No próximo dia 9 de dezembro, a Campanha Criança Não É de Rua fará uma manifestação em todas as cidades sedes da Copa do Mundo de 2014 contra o recolhimento compulsório. Essa a prática vem sendo usada no Rio de Janeiro e em São Paulo para o tratamento forçado de pessoas em situação de rua usuárias de drogas. O procedimento é conduzido por policiais civis, militares e guardas municipais.

Secretário Nacional Adjunto da Campanha Criança Não É de Rua, Adriano de Holanda Ribeiro argumenta que nem todos os dependentes precisam do mesmo tratamento. Ele disse que o movimento visitou o Rio de Janeiro e que as crianças e os adolescentes relataram estar com medo das ações. "O Rio virou uma empresa em função dos mega eventos. Só interessa ao governo o que der lucro." (PC)

Dados da prefeitura municipal de Curitiba mostram que o número de crianças e adolescentes vivendo nas ruas da capital está diminuindo. Entre 2010 e 2011, a quantidade de chamados ao serviço 156 pedindo o resgate de meninos e meninas em vias públicas passou de 763 para 592, uma queda de 22%. Os números se referem aos nove primeiros meses de cada ano. Em 2010, o município iniciou um trabalho de reestruturação do programa Criança Quer Futuro, fortalecendo o trabalho em rede, o que pode ser uma das explicações para a redução.

O fenômeno das crianças em situação de rua é complexo e, na maior parte dos casos, multifatorial. Meninos e meninas fogem de casa em função da violência doméstica, do uso de drogas – e quase sempre a pobreza é o pano de fundo. Por isso o atendimento dessa população é desafiador e exige políticas públicas integradas em diversos setores, como saúde, educação e geração de renda.

Em Curitiba, o principal programa na área é o Criança Quer Futuro. Funcionários fazem abordagens com os meninos e as meninas nas ruas para levá-los a um espaço de convivência no bairro Rebouças. Lá eles recebem os primeiros atendimentos e a equipe aciona uma rede de conselheiros tutelares e profissionais dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) para a identificação dos familiares.

Com a criação de equipamentos sociais como o Cras, o atendimento à população vulnerável se tornou mais eficaz. Houve o entendimento de que não adiantava tirar a criança da rua se o contexto familiar não for alvo de políticas públicas. Quando há impossibilidade de retorno para os pais, os garotos e garotas resgatados em Curitiba são encaminhados para o acolhimento institucional em organizações não governamentais parceiras do município.

Esse trabalho em rede permite que, por exemplo, os pais recebam atendimento para tratar a dependência química ou sejam encaminhados para programas de habitação social e geração de renda. Houve também a criação da "Rede Soli­dária do Morador de Rua", em que cada secretaria municipal oferece um tipo de serviço para essa população.

Serviços

Coordenadora do Resgate Social de Curitiba, Luciana Kusman explica que o espaço do Criança Quer Futuro abriga um centro de convivência e uma casa de passagem, onde os meninos dormem até que a situação seja resolvida. As meninas são atendidas em outro local, por meio de um convênio com uma ONG. Enquanto estão lá, as crianças e os adolescentes têm oficinas e atividades, como karatê, prática de esportes e informática.

O número de pessoas atendidas varia diariamente. Embora a capacidade do local seja de até 40 vagas, o recorde de 2011 foi 27. Na última terça-feira havia apenas quatro garotos no local. Há uma equipe de 24 educadores que se revezam no trabalho.

Quando os garotos precisam de atendimento médico, recebem prioridade em uma unidade de saúde instalada dentro da sede da Fundação de Ação Social, no centro de Curitiba. Há ainda um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e o ambulatório Cara Limpa, para o tratamento de dependência química entre jovens. "Nosso maior desafio é conseguir que a população compreenda que precisamos da ajuda de todos para avançar", diz Sueli Cortiano, gestora do Criança Quer Futuro.

Vitórias e dissabores na Quatro Pinheiros

A Chácara Meninos de 4 Pinheiros é a única organização não governamental de Curitiba e região que trabalha especificamente com crianças em situação de rua. O trabalho começou ainda na década de 80, quando o ex-frei carmelita Fernando de Gois iniciou um trabalho com esta população, na antiga favela Vila Lindoia.

Para compreender melhor a vida dos meninos e meninas que ajudava, Gois foi morar na rua e trabalhou como catador de materiais recicláveis. Em uma roda de conversa com os garotos, eles disseram que gostariam de morar em uma chácara para ter contato com animais e ficar longe das drogas. O ex-frei foi em busca de doações e conseguiu uma área em Mandirituba, onde até hoje realiza o trabalho com os meninos, que o chamam de pai.

Entre as vitórias do trabalho há jovens que conseguiram fazer curso superior e constituir uma família com base em sentimentos como amor e respeito. Mas há também muitas histórias tristes, de jovens que não conseguiram lidar com as violações sofridas durante a vida nas ruas. "A maior dificuldade é o trabalho com a família. O grande desejo dos meninos não é um projeto bonito, mas o retorno familiar. Em função da falta de políticas públicas, eles se desenvolvem aqui e a família vai no sentido oposto", diz Gois.

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