| Foto: Nick Cote/New York Times

Condomínios e casarões estão surgindo ao lado dos terrenos baldios onde Randy Russell muitas vezes já armou sua barraca e abriu o saco de dormir, junto com outros sem-teto, em acampamentos que eram como pequenos portos seguros para ele, mas um perigo ilegal aos olhos das autoridades.

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Viver em situação de rua gera um milhão de problemas, mas certamente encontrar um lugar para dormir fica no topo da lista. Segundo o governo federal, cerca de 32% dessas pessoas não têm abrigo e, em 28 de novembro, Russell, 56 anos, era uma delas. Ele estava sentado em um acampamento, ao norte do centro, quando a polícia e os funcionários da prefeitura chegaram para “fazer uma limpeza”. Um policial entregou a Russell uma notificação.

“Agora fiquei sem lugar pra dormir hoje. Vocês estão levando minha casa embora”, Russell disse a ele em vídeo.

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Com um número cada vez maior de núcleos de desabrigados, todas as cidades do país começaram a discutir a questão, de Filadélfia a Chicago, passando por Seattle. Será que a prefeitura deve abrir os espaços públicos para os moradores carentes ou eliminar os acampamentos que as autoridades, os vizinhos e os comerciantes veem como ilhas de criminalidade e pontos de tráfico e consumo de drogas?

Para quem vive na rua, a repressão sobre os núcleos equivale a punição às pessoas por serem pobres.

Ativistas e gente em situação de rua como Russell estão promovendo campanhas e indo à justiça contra as leis regionais que proíbem o “acampamento urbano” e que, segundo os ativistas, são direcionadas exclusivamente aos menos favorecidos. O direito ao descanso, eles dizem, deveria ser um novo direito civil daqueles que não têm onde morar. Muitos usam buttons que questionam: “Move Along to Where?” (”Ir para onde?”), rechaçando as notificações de má conduta e a legislação anti-acampamento nos tribunais.

“Estão tentando tirar nosso meio de sobrevivência”, reclama Jerry Burton, que foi notificado no mesmo dia que Russell.

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De uns anos para cá, o governo Obama vinha oferecendo apoio aos sem-teto e seus defensores. Em 2015, em manifestação de interesse referente a uma lei de Boise, Idaho, o Departamento de Justiça afirmou que a legislação local de criminalizar os desabrigados poderia violar as proteções constitucionais contra punições cruéis e incomuns. Já o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano disse levar em consideração as políticas que criminalizam os menos favorecidos na hora de decidir os repasses de verbas.

Segundo os defensores dos sem-teto, essas medidas reforçam sua posição, mas temem que elas, assim como o dinheiro que sustenta os serviços voltados a esse grupo, percam força sob Donald Trump, que concorreu à presidência como “candidato da lei e da ordem”.

“Estamos bem preocupados”, admite Maria Foscarinis, diretora-executiva do Centro Nacional da Legislação da Falta de Moradia e Pobreza, que estima que pelo menos metade das cidades do país tenha algum tipo de lei que proíbe os acampamentos.

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“Não adianta você ganhar a briga e aí, logo em seguida, surgem dez cidades criminalizando os desabrigados. A intenção é a de ter o governo federal ao seu lado, para que o impacto tenha um alcance maior”, completa.

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Em termos nacionais, o número de pessoas em condição de rua está diminuindo, pelo menos de acordo com as estatísticas mais recentes, mas os acampamentos continuam sendo um problema sério no Oeste, onde o preço extorsivo dos imóveis e aluguéis e a escassez de apartamentos subsidiados trouxeram à tona o problema da falta de moradia em cidades como Seattle, Los Angeles, Denver e San Francisco.

Os pequenos núcleos de barracas e sacos de dormir que surgem às margens dos rios, nas calçadas, parques e bairros gentrificados expõem a dificuldade que as prefeituras têm de manter o equilíbrio entre a acomodação e a aplicação das leis.

Em Seattle, onde a violência explodiu em um acampamento conhecido como A Selva, sob uma via expressa, houve uma forte reação à proposta de um vereador de permitir que os três mil desabrigados da cidade acampem em determinados parques locais e em terrenos públicos desocupados.

Centenas de moradores lotaram a audiência municipal, em outubro, segundo o Seattle Times; havia quem gritasse pedindo revogação; outros aplaudiram um político republicano que pedia “tolerância zero”.

“Não vou resolver a questão dos sem-teto criminalizando-a. Esse pessoal não tem muita opção. A melhor delas, em termos diários, é dormir embaixo da ponte”, justificou Mike O’Brien, o vereador de Seattle que propôs a criação de acampamentos - embora a legislação não tenha ido tão longe.

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Uma pesquisa feita em janeiro de 2015 verificou um aumento de 67% no número de desabrigados sem nenhum tipo de abrigo em Seattle desde 2011.

“A ameaça da falta de moradia está se tornando cada vez mais real. Gente que eu e você conhecemos está enfrentando o problema. Tem que dormir no sofá de um amigo, viver dentro do carro. Sei de pessoas que estão perdendo a casa e é assustador”, afirma o vereador.

Proibições

Em novembro, San Francisco sancionou a proibição de montagem de barracas em calçadas, dando à prefeitura o direito de desmontá-las em um período de 24 horas após o primeiro aviso. Em julho, a Filadélfia suspendeu a proibição, que já durava quatro anos, de servir refeições em parques públicos depois que grupos de defesa e religiosos processaram o governo local. Em Portland, no Oregon, a comoção resultante da instituição da “política do sono seguro”, anunciada em fevereiro, foi tamanha que o prefeito teve que rescindi-la seis meses depois.

Em Denver, vídeos de policiais confiscando cobertores e barracas, no auge do inverno, geraram indignação pública e pedidos de tolerância por parte das autoridades.

E a prefeitura parece ter sido surpreendida pelo furor. Observou que está criando moradia permanente para abrigar 250 sem-teto, criou um fundo de moradia de US$150 milhões para as famílias de baixa renda (e média também) e estava dando início a um projeto piloto para empregar pessoas em situação de rua.

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E afirma não haver falta de espaço em seus abrigos. Assistentes sociais visitam os acampamentos antes de desmanchá-los para tentar convencer as pessoas a procurarem os serviços públicos.

A estimativa oficial é de que a população municipal de desabrigados seja de 3.500 a 3.600, sendo que desses, 500 não estão em moradia transitória, nem abrigos em nenhum dia da semana.

O governo afirma também que Russell e duas outras pessoas que foram notificadas em novembro passado já tinham recusado várias ofertas de assistência e ordens de mudança e que continuavam acampados ilegalmente como “forma de protesto”. A polícia afirma que, ao lado dos assistentes, faz milhares de interações com os sem-teto, e poucas terminam em notificações criminais.

Em declaração pública, o prefeito Michael B. Hancock garantiu que a prefeitura não vai mais recolher nenhum equipamento de camping até o fim de abril, quando entra em vigor a proibição. Segundo a polícia da cidade, 26 pessoas foram notificadas desde que a lei foi sancionada, em 2012, sendo que o instrumento é considerado como última alternativa.

Segundo as autoridades, os acampamentos são uma ameaça à saúde e à segurança dos desabrigados e dos vizinhos. Isso porque encontraram pilhas de lixo às margens do rio Platte e dejetos humanos na calçada em frente ao Coors Field, onde joga o Colorado Rockies. Quando a prefeitura aprovou a proibição por nove votos a quatro, seus defensores alegaram que o desmantelamento dos núcleos era uma necessidade de saúde e segurança, e rejeitaram os pedidos dos ativistas para suspender ou revisar a nova lei.

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“É imoral para uma comunidade aceitar gente morando na rua. Esta cidade é um gelo. É o tipo de coisa que me faz perder o sono”, diz o presidente do conselho, Albus Brooks.

O que faz Trena Vahle, de 47 anos, perder o sono é o frio, os tiros, as pessoas que passam pelo abrigo que ela montou no fim de uma fila de outras barracas, carrinhos de supermercado lotados e tendas feitas de plástico em uma viela próxima a um estúdio de arquitetura, uma cervejaria e um bar no bairro descolado de River North. “Já mandaram a gente sair umas cinco vezes”, explica.

Ela conta que está desempregada desde que torceu um músculo das costas na fábrica em que fazia geladeiras portáteis de plástico e que se mudou para o Colorado, em 2015, depois de ser presa, já como sem-teto, por invasão de propriedade. Confessa não gostar dos abrigos porque os banhos são em sistema de sorteio e já teve três de suas sacolas roubadas ali. “Essa viela é o meu canto”, completa. Por enquanto.