• Carregando...
“Tem de existir a pergunta: até que ponto é tão importante aquele tipo de trabalho (com células embrionárias)? É uma vida. Temos que trabalhar sempre com respeito à vida, em todos os assuntos.” | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
“Tem de existir a pergunta: até que ponto é tão importante aquele tipo de trabalho (com células embrionárias)? É uma vida. Temos que trabalhar sempre com respeito à vida, em todos os assuntos.”| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Doutora em bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora do curso de Medicina da mesma universidade, Adriana Brondani da Rocha afirma que a biotecnologia pode ajudar na detecção precoce de diversas doenças, entre elas o câncer. A especialista, que atualmente desenvolve pesquisas de investigação em biologia do câncer, esteve em Curitiba na última sexta-feira ministrando palestra no 48.º Curso Estadual de Aperfei­çoamento para Magistrados sobre Biotecnologia, promovido pela Escola da Magistratura do Paraná (Emap), em parceria com o Con­­selho de Informações sobre Bio­­tecnologia (CIB).Sobre a polêmica no uso de células-tronco embrionárias em pesquisas, Adriana defende que deve existir mais compreensão por parte da ciência sobre os questionamentos da sociedade. "A partir do momento em que falamos sobre manipulação da vida, temos de levantar questões éticas e respeitar a sociedade. O cientista deve ter noção do impacto ético de suas atividades, e que existem limites para a sua pesquisa." Leia trecho da entrevista:

Como a biotecnologia tem contribuído para a detecção precoce de doenças?

É uma área muito associada com o setor terapêutico, que denominamos de farmacogenômica (que envolve tecnologias como sequenciamento de DNA e análise da expressão genética). Essa área permite que, cada vez mais, a gente conheça as características de um paciente para combinar um tratamento, especialmente em doenças como câncer. Outra questão é que o diagnóstico, de forma geral, também sofreu um grande acréscimo dos conhecimentos de biotecnologia, por implementar testes que podem ser feitos até mesmo em casa, como o de gravidez, que ficou bastante acessível para a população.

E no câncer, de que forma funciona esse mapeamento genético prévio?

Temos conhecimento das alterações genéticas do paciente, e aí podemos selecionar o melhor tratamento para o portador daquele tipo de alteração. Isso tem sido utilizado ainda em nível experimental. No caso do câncer é muito importante, pois a doença carrega muitas alterações genéticas, e os tratamentos costumam ser pouco específicos, o que acarreta efeitos adversos e desconforto, comum em pacientes que estão realizando tratamento quimioterápico. Os protocolos atuais no tratamento do câncer são satisfatórios?

Hoje em dia, em termos de tratamento, temos uma situação melhor. Ele visa à qualidade de vida do paciente, de prolongar a expectativa, e trabalha menos com a pretensão de cura do câncer, mas sim com a estabilização deste tumor. Por que se pode falar nisso hoje, e no passado não se falava? Conhecemos muito mais o comportamento dessas células tumorais. Antigamente, trabalhávamos com um grupo de quimioterápicos extremamente tóxicos, que afetavam todas as células. Hoje, é possível colocar drogas menos tóxicas no tratamento, e esse paciente vai tentar manter a sua vida normalmente. É uma terapia não-convencional, mais "leve", no sentido da diminuição dos efeitos colaterais.

Esse tratamento menos invasivo já é realidade dentro do Sistema Único de Saúde?

O que tem sido feito é uma combinação dos tratamentos. Claro, não vamos dizer que estamos vivendo uma era que se curou o câncer, mas há uma visão de que a doença deixou de ser considerada aguda e passou a ser crônica, prolongando o tempo de vida. Quando o estágio da doença é avançado, aumentamos os nossos problemas, pois a tendência biológica é aumentar a instabilidade genética, a célula fica mais suscetível a fazer novas alterações, por isso a dificuldade de atacar um foco. Neste estágio, tem que se considerar que o tumor vai ocupar sítios diferentes, o que limita o tratamento. Por isso as técnicas de diagnóstico precoce são super importantes. Essa é a ideia. Analisar bem os aspectos moleculares o mais precocemente possível na nossa população, e que exista o máximo de ferramentas para isso.

Qual é a influência da hereditariedade para desenvolver a doença?

O câncer não é uma doença de caráter hereditário, está associado muito mais a uma predisposição genética. Ou seja, ao fazer o mapeamento genético de alguém (por meio de coleta de sangue, enviada para um laboratório que realize testes genéticos), é possível identificar alterações. Logo, se sou portadora de uma alteração genética, há mais chance de desenvolver o problema, mas não é uma regra. Nesses casos, há de se tomar mais cuidado com fatores ambientais, como se expor menos ao sol, não consumir grande quantidade de alimentos que tenha um potencial mutagênico, cigarro, álcool e drogas, que são fatores capazes de desencadear o câncer. A incidência do câncer, aliás, é alta hoje principalmente por conta da expectativa de vida, que aumentou. Quanto mais envelhecemos, mais ficamos expostos a fatores externos e suscetíveis a ter uma transformação genética, desencadeando uma célula tumoral.

A senhora é favorável ao uso de células-tronco embrionárias?

Todas as investigações novas na ciência têm um impacto na sociedade, levantam questões éticas e de biossegurança. A partir do momento em que falamos sobre manipulação da vida, temos de pensar nesses pontos. O cientista deve ter noção do impacto ético de suas atividades, que existem limites para a sua pesquisa. As células-tronco embrionárias realmente geram essas perguntas, de onde serão obtidas, por exemplo. Se forem conseguidas em clínicas de fertilização, que seriam descartadas, torna o uso bastante viável. Nesse sentido, o uso não me parece eticamente questionável. A vantagem é que essa polêmica gerou um conhecimento maior de trabalho com células-tronco adultas (como da medula óssea e tecido adiposo), que podem ser retiradas da própria pessoa, modificadas e recolocadas para tratamento. Porém, ela gera apenas grupos, e não um organismo inteiro, como na embrionária. Trabalhamos respeitando os posicionamentos éticos e as limitações. Tem de existir a pergunta: até que ponto é tão importante aquele tipo de trabalho (com células embrionárias)? É uma vida. Temos que trabalhar sempre com respeito à vida, em todos os assuntos.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]