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O médico Carlos Sérgio Souza Rose, 50 anos, atende presos na Prisão Provisória de Curitiba, o presídio do Ahú, e com isso coleciona histórias de vida. Seus 10 anos de trabalho no local dariam para escrever um livro nos mesmos moldes de Estação Carandiru, do colega Dráusio Varela, que virou filme – como o Ahú, o Carandiru era uma prisão encravada em uma área central de São Paulo até sua desativação e implosão. Entre os pacientes do médico estiveram o famoso José Márcio Felício, o Geléia, ex-chefão da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), além de um sobrevivente do massacre do Carandiru, que ocorreu na antiga penitenciária, em São Paulo. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o médico contou como é o seu dia-a-dia no presídio, a bronca que deu em Geléia antes de uma consulta e momentos tensos da rebelião de 2000.

Gazeta do Povo – O que mais lhe marcou nos 10 anos de trabalho no presídio do Ahú?

Carlos Sérgio Souza Rose – Foram duas situações. A primeira é que atendi um sobrevivente do massacre do Carandiru. O homem veio para Curitiba e se transformou num líder. Durante o seu tratamento de diabete, criei uma certa empatia e ele passou a me contar tudo. Guardo até hoje um elefante feito por ele, o mestre da argila. Esse paciente morreu sentando, em casa, lendo o seu alvará de soltura – o "canto" de liberdade, na língua deles – uma semana após deixar o presídio. A outra situação foi a rebelião de 2000. Eu estava com um colega no consultório, quando a rebelião começou a crescer. Parece um pesadelo, uma coisa surrealista. Eles não me fizeram refém. Enquanto saíamos, o cheiro de fumaça aumentava, havia barulho de vidro quebrando e gritos. Tinha filas de parentes de funcionários e de detentos na porta do Ahú.

O senhor ficou com trauma disso?

Não, mas me tornei mais cauteloso.

Como é a vida dos presos na penitenciária do Ahú?

Eles brincam muito. Uma vez, recebi uma cartinha (eles a chamam de catatau) de um interno. Como boa parte é analfabeto, o paciente pediu para um colega escrever o bilhete. Ele fez uma sacanagem. A mensagem dizia, preciso de um ginecologista. Os presos têm suas próprias leis. A do silêncio é uma delas. Têm códigos de conduta, como não "fungar" durante as refeições. Eles vivem pedindo remédio para isso. Nem usar o "boi", banheiro, quando alguém estiver comendo. Isso sempre é motivo de briga.

E a saúde dos presos?

As doenças não são diferentes de quem está fora. Há muitas doenças de pele e respiratórias. Um dos motivos é porque eles não têm banho quente. Se fosse no Nordeste, onde o clima é outro, mas aqui no Sul, com geada, é diferente. A direção justifica que o sistema elétrico da unidade não comportaria chuveiro em todas as celas. Além disso, temos as diarréias, provocadas pelas comidas de domingo.

É verdade que o senhor deu uma bronca no Geléia, ex-líder do PCC? Como foi?

Dei sim, mas não sabia quem ele era. Na realidade, o nosso consultório é diferente. Ele não funciona como num posto de saúde ou hospital. A lista de atendimento sempre aumenta. Fiquei irritado com José Márcio Felício, o Geléia, porque naquele dia que ele foi ao consultório eu já tinha atendido cinco pessoas fora da lista. O seu caso era um encaixe. Os seus colegas disseram que o Geléia tinha um tumor na barriga, mas era uma irritação. Fui ríspido com ele. Depois, alguém me falou: você falou grosso com o Geléia. Mas eu não sabia disso.

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