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Promotor tira 21 mortes da acusação no caso Carandiru

O dia mais decisivo para 25 policiais militares acusados no caso Carandiru, em 1992, foi nesta sexta-feira (2), com o plenário cheio e uma novidade: o Ministério Público anunciou que eles eram culpados por 52 e não mais pelas 73 mortes no 2º andar do Pavilhão 9 da Casa de Detenção.

Logo no início dos debates, a última fase do júri antes da sentença, o promotor Fernando Pereira da Silva avisou aos jurados que pediria a absolvição dos PMs por 21 mortes. "Não queremos cometer injustiças", disse.

Ele levou em conta o fato de que três detentos tiveram suas mortes atribuídas a brigas entre os próprios presidiários, e quatro vítimas morreram em outro pavimento. Além disso, outros 14 detentos foram mortos no corredor direito do andar, e os réus entraram pelo lado esquerdo, segundo as provas no processo.

A sustentação da Promotoria foi recheada de outros números para demonstrar que houve execução no Carandiru. De acordo com os dados do laudo do Instituto Médico-Legal, dos 52 mortos, 37 tinham perfurações com trajetórias diferentes, e mais da metade das vítimas recebeu 2, 3 ou 4 tiros na região da cabeça e pescoço.

Além disso, no andar onde os 25 réus entraram não houve nenhum sobrevivente dentre os detentos que foram alvejados. Entre os réus, segundo o promotor Eduardo Canto, só um não estava envolvido em resistência seguida de morte até 2010. "Eu não sei como (os réus) conseguem dormir. Isso é repugnante", afirmou. Mas números também foram usados pela defesa para mostrar que a Justiça está equivocada.

O grupo de 25 PMs da Rota acusados pela maioria das 111 mortes na rebelião do Carandiru em outubro de 1992 foi condenado na madrugada deste sábado, a 624 anos de prisão, a segunda maior da história da Justiça brasileira. Eles poderão recorrer em liberdade. Os réus haviam sido denunciados por 73 assassinatos, mas a Promotoria reconheceu no último e quinto dia de julgamento que eles eram culpados por 52 homicídios, todas no 2º andar da cadeia.

A decisão saiu por volta das 4 horas deste sábado (3), cerca de cinco horas depois dos jurados se reunirem na sala secreta na Fórum Criminal da Barra Funda, em uma espera que deixou colegas e familiares dos réus em vigília na porta do auditório. Na sentença, o juiz Rodrigo Tellini fixou a pena mínima de 12 anos de reclusão para cada uma das mortes - o mesmo critério adotado no primeiro júri do caso Carandiru, em abril, quando 23 policiais foram condenados a 156 anos de prisão por 13 homicídios no 1o andar do Pavilhão 9 do presídio.

A novidade na nova condenação é a perda do cargo dos policiais na ativa - nove réus segundo os promotores. O ex-comandante da Rota, Salvador Modesto Madia, é um dos que ainda trabalham. A perda do cargo só ocorrerá com o término definitivo de todo o processo - a defesa dos réus já anunciou que vai recorrer. Já a retirada das patentes dos PMs depende de um processo na Justiça militar.

Com dois júris e duas condenações, os promotores dizem crer estar mais próximos de limpar a mancha do massacre do Carandiru na Polícia Militar."No primeiro júri, ninguém acreditava em uma eventual condenação" disse o promotor Fernando Pereira da Silva, após a leitura da sentença.

Ele rebateu as críticas da defesa de que as mortes tenham diminuído em um "passe de mágica". A justificativa foi a área de atuação da tropa, que entrou pelo lado esquerdo do 2º andar. Os corpos de detentos de outros locais ou que morreram a facadas foram retirados do cálculo da acusação.

Defesa diz que "mundo do crime ganhou" com condenação de PMs

A advogada Ieda Ribeiro de Souza, responsável pela defesa dos policiais militares condenados a 624 anos de prisão pela morte de 52 detentos na antiga Casa de Detenção do Carandiru, criticou a decisão dos jurados. Em entrevista após a leitura da sentença, a advogada disse que a "sociedade perdeu e o mundo do crime ganhou" com a condenação. "Quando se condenam policiais que trabalharam honestamente, corretamente e que não tiveram nenhuma participação nesse número de mortes, há a desvalorização de quem nos protege."

Os 52 detentos mortos ocupavam o terceiro pavimento do Pavilhão 9 da casa de detenção. A advogada informou que vai recorrer da sentença. Os réus poderão apelar em liberdade. Eles também foram condenados à perda de cargo público, mas isso só ocorrerá, segundo promotores e a advogada, após a sentença ter transitado em julgado, ou seja, até serem esgotados os recursos e as instâncias.

Para a advogada, o resultado da segunda etapa do julgamento do Massacre do Carandiru, embora tenha sido uma decisão de sete jurados da sociedade civil, não reflete a opinião da sociedade como um todo. "Vão à internet e vão ver os comentários que se tem lá dentro. Aquilo reflete a sociedade."

A advogada disse que, para os próximos dois julgamentos do Massacre do Carandiru, pretende insistir na tese de que não é possível individualizar a conduta dos policiais, indicando quem matou determinado preso. A mesma tese foi usada na primeira etapa de julgamento, em abril, quando 26 policiais foram condenados por 13 mortes.

Já o promotor Fernando Pereira Filho disse estar satisfeito com a decisão dos jurados. "Os jurados, mais uma vez, reconheceram não apenas que esses policiais praticaram os crimes pelos quais foram condenados, mas reafirmaram a percepção que tiveram outros tribunais populares acerca da efetiva ocorrência de um massacre", disse ele. "A voz da sociedade, dentro do julgamento, é dada dentro do tribunal de júri", acrescentou. Segundo ele, a decisão dos jurados demonstrou que "a sociedade não vai compactuar com o desrespeito à vida e o desrespeito ao ser humano".

Para Pereira Filho, decorridos 20 anos do episódio, a violência policial ainda é muito grande. "Não tenho dúvida disso." O promotor Eduardo Olavo Canto Neto disse ter confiança de que, nos próximos julgamentos referentes ao Carandiru, novas condenações virão. Segundo ele, a condenação dos policiais na segunda etapa de julgamento foi possível principalmente por causa das provas. "Houve muitas provas de que os policiais praticaram um massacre em outubro de 1992. Nós demonstramos claramente, para os jurados, que eles cometeram esse massacre."

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