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Alguns dos compradores que pagam os terrenos há cinco anos e vivem sob a ameaça de perdê-los | Fotos: Albari Rosa/ Gazeta do Povo
Alguns dos compradores que pagam os terrenos há cinco anos e vivem sob a ameaça de perdê-los| Foto: Fotos: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Outro lado

Empresa diz que não havia córrego

"Para quem mais devo perguntar se o que fizemos está dentro da lei?", questiona a advogada da Sena Construções Ltda., Elisângela Florêncio de Farias. Para atestar a legalidade do loteamento Vila Bruning, ela apresenta cópias de 14 licenças emitidas pelo IAP entre 2001 e 2007, licenças da Comec e da Sudersha (Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental), cópia da aprovação da prefeitura, parecer favorável da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e parecer favorável do Ministério Público, de 2005, anterior à ação civil pública que levou ao embargo do loteamento.

Para Elisângela, o que foi canalizado não era um córrego, mas uma porção de água parada, um esgoto que acumulava lixo e animais mortos. "Desde quando um esgoto a céu aberto é mais importante para o meio ambiente do que uma canalização benfeita?", indaga. Ela argumenta que os alagamentos acabaram depois do serviço feito. Elisângela diz ainda que já foram apresentadas três propostas, nenhuma delas aceita pelo MP. De acordo com o MP, os acordos propostos visavam apenas o fim da ação civil pública, sem garantias de que a parte danificada do loteamento fosse regularizada.

  • Alessandro e a mulher Isabel: medo de perder terreno faz professor dormir na casa de boneca

Há 10 dias o professor Alessan­dro Schultz tem de comprimir seu 1,80 metro e os 115 quilos para caber na casinha de bonecas onde passou a morar desde que as obras da futura casa foram embargadas. Na varanda da moradia de brinquedo, uma lona preta abriga a geladeira e a mesa das refeições. Enquanto ele permanece no terreno para evitar o despejo, a filha Nicole, de 5 anos, e a mulher, Isabel, grávida de três meses, moram de aluguel em outro lugar. Alessandro é um dos 47 compradores ameaçados de perder o terreno que pagam há cinco anos na Vila Bruning, em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba.

Dos 211 lotes, 47 estão às margens de um afluente do Rio Ressaca, motivo do embargo. Quem vai construir se vê impedido por ordem judicial, quem já construiu vive a ameaça de demolição. Embora paguem IPTU e tenham as prestações em dia, eles estão no meio de um cabo de guerra que tem de um lado o Ministério Pú­­bli­­co (MP) e de outro as incorporadoras do loteamento. O primeiro em­­bargo geral foi em 2007, quando os lotes começaram a ser vendidos. As vendas continuaram. Sem sa­­ber do problema, os compradores seguiram pagando as prestações, que variam de R$ 450 a R$ 900. A surpresa chegou da maneira mais drástica há duas semanas.

Kátia Montanini, que há quatro anos paga R$ 630 por mês, se surpreendeu ao receber dia 19 de abril um auto de embargo das obras e prazo de 15 dias para demolir a casa. A notícia correu feito rastilho de pólvora. Dia 23, o metalúrgico Celso Kuster Contador foi preso por desacato a autoridade ao ser orientado por uma fiscal da prefeitura a retirar a cerca que erguia no terreno do genro, Alessandro. Nesse dia, Alessandro instalou no espaço a casinha de bonecas da filha, onde passou a morar. Ele paga R$ 505 de prestação do lote e reveza o plantão com o sogro nos dias em que precisa trabalhar, dando aulas na rede pública estadual.

Tudo legal

O loteamento foi aprovado em 2002 pela Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec) e em 2004 pela prefeitura de São José dos Pinhais. Depois de terminar as obras do loteamento e receber a licença do Instituto Am­­biental do Paraná (IAP), em julho de 2007, a proprietária da área, J.A. Participações e Admi­nistração de Bens Ltda., se associou à Sena Construções Ltda. para comercializar os terrenos. No entanto, em janeiro de 2007 o MP havia recebido denúncia de crime ambiental feita pela ONG Arco Íris Associação de Defesa da Natureza.

Segundo o MP, dois laudos de vistoria técnica confirmam as denúncias. Seriam quatro as irregularidades: 1) desvio do córrego para ampliar a área do loteamento; 2) canalização do córrego e descaracterização do meio natural; 3) movimentação de terra e descaracterização do relevo original da área, com consequências para a dinâmica da microbacia hidrográfica; 4) corte da mata ciliar, inclusive com avanço de terra sobre o córrego. O MP diz ter feito várias reuniões antes de ingressar com a ação para que o loteamento fosse regularizado, mas não houve acordo. A ação requerendo o embargo do empreendimento foi o último recurso.

A ação do MP tem como réus a empreendedora Sena, a revendedora J.A. e a prefeitura, por autorizar o loteamento e ter canalizado o córrego ao longo de 275 metros. Para o MP, o dano ambiental é grande e as empresas teriam de alterar o projeto, pois houve desvio de rio e aterro em Área de Pre­­servação Permanente. A Sena conseguiu reverter na Justiça o embargo total, mas continuam as restrições à Quadra "A". É nesse pedaço do loteamento que vivem Alessan­dro, Kátia e outros 45 proprietários apreensivos diante da incerteza por causa da disputa judicial que já se arrasta por cinco anos.

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