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Leitura de documentos durante o julgamento que condenou Beatriz Cordeiro Abagge a uma pena de 21 anos e quatro meses | Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo
Leitura de documentos durante o julgamento que condenou Beatriz Cordeiro Abagge a uma pena de 21 anos e quatro meses| Foto: Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo

As Abagge

Entrevista com Celina Abagge, mãe de Beatriz, concedida ontem, por telefone.

Há 13 anos vocês foram absolvidas. Agora Beatriz é condenada. O que mudou?

Nos foram negadas oportunidades importantes. Todos os nossos pedidos foram negados. Solicitamos a exumação do cadáver 20 vezes e as 20 foram negadas. Os objetos que foram usados no ritual, para comparação, também tivemos o acesso negado. Testemunhas foram negadas. Mesmo que tenham sido brilhantes, nossos advogados tiveram apenas 22 dias para estudar o caso. Foi uma injustiça. Não deixaram a gente se defender.

O que ligou o nome de vocês ao crime?

Muita coisa. Houveram muitas pressões. O meu marido [ex-prefeito de Guaratuba] não compactuava com o governo [de Roberto Requião] na época. Algumas vezes eu presenciei bate boca entre os dois. Outra coisa que pode ter motivado é que meu marido chamou o grupo Tigre [da Polícia Civil] para investigar o tráfico de drogas na cidade.

Vocês conheciam os outros acusados?

A minha filha tinha contato, mas quando a história aconteceu, não tinha mais. Como católica, eu proibia ela de se envolver com essas coisas místicas. Mas ninguém fez nada. Eles pegaram os coitados para nos acusarem, depois de muita tortura. Nós sempre tivemos álibi.

Como foi e será a vida de vocês?

A luta continua. Estamos mais pobres, vendendo todo o nosso patrimônio para tentar provar nossa inocência. Passamos horrores, preconceito, mas com o tempo foi melhorando. Mas a vida continua. Beatriz vai continuar trabalhando, estudando Direito, vivendo com os filhos. O povo está conosco e sabemos da nossa inocência.

A família de Evandro

Entrevista com Ademir Batista Caetano e Maria Caetano, pais de Evandro, concedida no sábado, no Tribunal do Júri.

A Justiça foi feita?

Maria – Ninguém quer perder um filho. Pai e mãe nenhuma. Estes 19 anos que eu passei de sofrimento, eu não desejo para mãe nenhuma. E a gente sempre esperava justiça. A justiça foi feita hoje. A gente nunca vai esquecer. O nome do meu filho fica em paz. Ficavam sempre tocando no nome dele.

Ademir – É o que a gente esperava há 19 anos. Continua o sentimento pela falta do menino, que foi morto. No sentido da Justiça ter sido feita, eu fico aliviado, mas a dor pela falta continua.

Vocês acreditam que Beatriz é culpada realmente pelo crime?

Maria – A gente sabe que foi verdade. Que essa história aconteceu. Meu marido reconheceu o [nosso] filho, sabia que era o Evandro. Que pai não tem capacidade para isso? Era ele, lá no [Insituto Médico Legal] IML, era o Evandro. Nossa família nunca teve dúvida disso.

Ademir – Nunca tive dúvidas que meu filho foi morto. São 19 anos acreditando no que elas fizeram com o meu filho. Eu trabalhava na prefeitura na época. E o pai dela [de Beatriz] era o prefeito da cidade, e nós sabíamos que eles mexiam com rituais macabros e isso era conhecido na cidade na época.

  • Entenda o caso

Um dos processos judiciais mais polêmicos e longos do Brasil terá novos capítulos. Adel El Tasse, advogado de defesa de Beatriz Cordeiro Abagge – condenada, no último sábado, a 21 anos e quatro meses de prisão pela morte do menino Evandro Ramos Caetano, ocorrida em Guara­­tuba, litoral do estado, em 1992 –, promete recorrer ao Tribunal de Justiça do Paraná, pedindo a anulação do júri. Caso o pedido seja aceito, será a terceira vez que Beatriz irá a julgamento. Em 13 anos, ela já foi submetida a dois júris.

A sentença do último julgamento foi lida pelo juiz Daniel Surdi Avelar, que presidiu a sessão, por volta das 17h15, no sábado. Por quatro votos a três, os jurados consideraram que Beatriz foi a mandante do crime. O julgamento, que começou na sexta-feira, durou aproximadamente 15 horas. A sentença determinou que a pena seja cumprida em regime semiaberto, já que Beatriz havia cumprido cinco anos e nove meses de prisão ao longo do processo. Ainda de acordo com a sentença, Beatriz terá o direito de aguardar o recurso, contra a decisão do júri, em liberdade.

O primeiro julgamento de Beatriz aconteceu em 1998 e foi o mais longo júri da história da Justiça brasileira – durou 34 dias. Na época, Beatriz e a mãe, Celina Abagge, foram consideradas inocentes. O Ministério Público conseguiu a anulação do julgamento, argumentando que os jurados decidiram de forma contrária às provas apresentadas, uma vez que a perícia indicava que o corpo era de Evandro.

Desta vez, o recurso será da defesa e será fundamentado em cima de questões técnicas, como o cerceamento da defesa – que teve pedidos de acesso a provas, a determinadas testemunhas e a realização de perícias, negados.

De acordo com o jurista Luiz Flávio Gomes, "outro julgamento é possível." Apesar disso, ele afirma que esse não é um procedimento comum. "Acontece isso em casos excepcionais, normalmente os tribunais respeitam a decisão dos jurados", diz.

Para o advogado de defesa, o resultado apertado na decisão dos jurados, quatro a favor da condenação e três contra, também é um incentivo para entrar com um recurso contra a decisão. Gomes também reconhece que o resultado foi apertado e que isso vai exigir dos desembargadores uma análise mais detalhada do caso.

Já o advogado e professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Cruz Bottini não vê no resultado da votação um sinal que justifique o pedido de recurso. "Esse é o nosso sistema, diferente do sistema americano que pede a unanimidade. Nós podemos condenar ou absolver pela maioria. Sozinho, esse fato não pode ser um argumento", explica. "Mas é uma estratégia comum usar uma votação como esta para reforçar o argumento de contradição a prova dos autos", reconhece.

Demora

Quase duas décadas se passaram desde o assassinato e a condenação de Beatriz Abagge. E 13 anos se passaram entre um julgamento e outro. Segundo Bottini, a burocracia é a maior culpada dessa demora. "Se for ver quanto tempo o processo fica em cada lugar, ele passa mais tempo aguardando uma juntada de documentos para intimar alguém do que para ser julgado ou ter um recurso julgado", diz.

O advogado Jacinto Coutinho, professor de Processo Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concorda. "Não dá para atribuir aos promotores e advogados a culpa pela demora. Os prazos para recursos são curtíssimos e é papel dos dois recorrerem. E também não é da lei [a culpa]. Depende sempre do juiz. É o juiz quem controla", conta.

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