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Mão de uma mulher segurando a mão de um bebê
Entrega voluntária e sigilosa de bebê à adoção é prevista por Lei| Foto: Getty Images

O recente caso da atriz Klara Castanho, que revelou que foi estuprada, teve o bebê e entregou a criança para adoção legal, reacendeu o debate sobre a adoção legal no Brasil e o direito ao sigilo das informações nesses casos - o que não foi respeitado.

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A entrega de uma criança para a adoção está prevista em lei e é considerado o melhor caminho para mães que não têm condições (econômicas, psicológicas, etc.) de cuidar e criar os filhos depois do parto. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei nº 8.069/90, com as alterações promovidas pela chamada Lei da Adoção (Lei nº 13.509/17) - traz disposições sobre o tema nos artigos 18 e 19.

Devido à falta de informações, muitas mulheres têm medo de serem penalizadas por fazer a entrega da criança dentro do que determina a lei. Mas, conforme explica o advogado Paulo Fernando Melo, que assessorou a comissão especial da Lei da Adoção na Câmara dos Deputados, a entrega voluntária para adoção é uma opção segura para a mãe e para a criança. Todo processo é sigiloso e pode ocorrer em todos os casos - tanto naqueles em que houve o crime de estupro como nos demais. "Quem tem o desejo de colocar o filho para adoção, independentemente de um estupro, pode procurar a Vara da Infância ou Vara da Família, para seguir com os trâmites da entrega voluntária no Cadastro Nacional da Adoção”, ressaltou Melo.

O advogado ainda explica que essa é uma forma de evitar a “adoção à brasileira”, quando as pessoas acabam entregando os filhos para pessoas que desejam adotar, mas sem ser de uma maneira legal. “Esse tipo de adoção é muito comum, mas pode incorrer em crime tanto para as mães que doam, como para as pessoas que pegam a criança”, explica.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apoia o processo legal da entrega voluntária. Segundo o conselho, tal medida busca evitar o abandono de crianças recém-nascidas em condições precárias ou a entrega de bebês e menores a terceiros à revelia da lei.

Dados do CNJ revelam que, anualmente, cerca de mil mulheres entregam seus bebês para adoção. No ano passado, 1.238 mulheres optaram pelo processo, enquanto que, em 2021, foram 1012.

Vara da Infância dá suporte jurídico e psicológico às mães

A Vara da Infância é o local que dá o suporte jurídico, sem qualquer constrangimento, às mulheres que desejam entregar voluntariamente seu filho para adoção. O Programa de Acompanhamento à Gestante, previsto nos artigos 13 e 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), preconiza essa possibilidade legal.

Especialistas afirmam que a entrega voluntária ganhou força com a Lei 13.509/17, na qual foram consagrados os direitos ao sigilo da entrega, à possibilidade de a mãe ser titular de ação voluntária de extinção do poder familiar, de receber assistência psicológica, de ser ouvida em audiência judicial e de desistir da entrega no decorrer do processo. Tal medida previne eventual abandono, tentativa de aborto, infanticídio ou mesmo uma entrega a terceiros sem qualquer mediação psicossocial cuidadosa.

Em 2021, a Vara da Infância e da Juventude do DF (VIJ-DF), por exemplo, atendeu 61 mulheres com o desejo de entrega voluntária dos bebês para adoção. Desse total, 25 confirmaram o encaminhamento da criança. O número foi superior a 2020, ano que que 48 mulheres procuraram a Vara com a intenção de entregar seus filhos, mas 14 concluíram o processo.

Nos primeiros meses deste ano, a Vara da Infância no DF foi procurada por 27 mulheres que manifestaram interesse em aderir à entrega voluntária e todas receberam acolhimento humanizado, esclarecimentos psicossociais e jurídicos, e também tiveram sua intimidade, privacidade e identidade respeitadas e preservadas.

Em um artigo, intitulado "Entrega voluntária para adoção: legalidade e proteção", o supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ-DF, Walter Gomes, destacou o atendimento humanizado e a proteção ao sigilo e à privacidade das gestantes que procuram a entrega voluntária. O artigo cita a experiência de uma das mulheres atendidas pela Vara da Infância do DF:

“Minha gravidez resultou de um estupro e inicialmente pensei em abortar ou abandonar a criança. Estava desesperada, sem coragem pra nada, pensando nas piores coisas, inclusive em dar fim à minha própria vida. Sentia nojo do meu corpo e às vezes dava muitos socos na minha própria barriga. Viver perdeu todo o encanto pra mim. Em um determinado dia, estava navegando na internet e vi uma notícia sobre grávidas que entregam filhos em adoção na Vara da Infância e no mesmo instante senti que a solução para a minha aflição e meu desespero estava a caminho. Imediatamente procurei mais informações e descobri que poderia contar com o apoio da própria Justiça para encontrar o melhor caminho tanto pra mim quanto pra criança”. A mulher citada no artigo concluiu os trâmites necessários e encaminhou a criança para adoção.

As mulheres que desejam fazer a entrega legal podem procurar as Varas da Infância ou Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de seus respectivos estados.

Vazamento de sigilo tem pena de 3 meses a 1 ano

O vazamento de dados no caso da atriz Klara Castanho - e em qualquer outro semelhante - é crime. Segundo a advogada Jaeni Azevedo, especialista em Direito Penal e integrante do escritório Advocacia Riedel, a situação vivida por Klara “é extremamente sensível e passa por violações de informações que deveriam estar em absoluto sigilo, tanto médico como legal”.

“O vazamento desse tipo de informação está sujeito à apuração de responsabilidade ética, administrativa, civil e até mesmo criminal”, disse a advogada. A especialista reforçou que “revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem, está sujeito à pena de detenção de três meses a um ano, ou multa”, conforme está previsto no artigo 154 do Código Penal.

Segundo a Promotoria de Justiça da Infância de Santo André, todo o procedimento de entrega do recém-nascido da atriz para adoção seguiu integralmente o trâmite previsto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) está apurando a conduta da enfermeira e investiga se ela vazou dados de Klara Castanho. As investigações irão ocorrer em sigilo. A atriz também mencionou em seu relato que houve ameaça.

Além disso, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e o Conselho de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) também informaram que investigam a conduta da profissional de saúde.

Com relação à burocracia no processo de adoção no Brasil, a advogada explicou que não se trata de um procedimento simples, pois é preciso e proteger as crianças e as famílias. “Os regramentos existentes sobre a temática devem ser rigorosamente observados e respeitados, especialmente para proporcionar o máximo de segurança e bem-estar ao menor e às famílias envolvidas.

Relato de Klara Castanho

A atriz Klara Castanho, de 21 anos, revelou, em 25 de junho, que ficou grávida após ter sido estuprada, e que decidiu entregar o bebê para doação legal após o parto. A entrega voluntária é um direito garantido pela lei brasileira e totalmente sigiloso, conforme assegura o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Klara afirmou que descobriu a gestação já em estágio avançado, decidiu procurar um advogado e encaminhou o bebê para adoção.

"Passei por todos os trâmites: psicóloga, ministério público, juíza, audiência - todas as etapas obrigatórias. Um processo que, pela própria lei, garante sigilo para mim e para a criança. A entrega foi protegida e em sigilo. Ser pai/e ou mãe não depende tão somente da condição econômico-financeira, mas da capacidade de cuidar. Ao reconhecer a minha incapacidade de exercer esse cuidado, eu optei por essa entrega consciente e que deveria ser segura", escreveu a atriz.

Na carta, a atriz afirmou que uma enfermeira teria ameaçado divulgar para a imprensa informações sobre o caso. O Conselho Federal de Enfermagem e o Regional em São Paulo já foram acionados para apurar a denúncia da atriz.

Em nota divulgada à imprensa, o hospital em que Klara ficou internada, na Região Metropolitana de São Paulo, informou que será aberta uma sindicância para investigar o caso.

Repercussão

O relato da atriz teve repercussão na imprensa e nas redes sociais. Houve quem criticasse a ação - por não ter conhecimento de todos os fatos e também por desconhecer o que diz a lei sobre a entrega voluntária da criança para adoção.

Porém, não faltaram elogios à Klara pela atitude de não ter feito o aborto e encaminhar a criança para adoção. Pessoas que passaram pela mesma situação ainda bebês também se manifestaram. Uma delas foi a jornalista Gabriela Oliva, que tratou do caso no Twitter. "Eu sou fruto de uma gestação que possivelmente foi ocasionada em meio à violência. Fui adotada. Minha vida não poderia ser melhor e mesmo sem conhecê-la, sei que a minha mãe biológica é pura coragem. Toda força à Klara Castanho", escreveu Gabriela.

Em resposta ao tweet da jornalista, uma seguidora comentou o que viveu após o nascimento: "fui adotada aos 12 dias, única informação que sei da minha mãe biológica é que tinha 21 anos, bem humilde e não tinha condições de me criar...Nunca me questionei. Creio que fez o melhor: tenho uma família maravilhosa".

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não se manifestaram sobre o "caso Klara Castanho".

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) não se manifestou sobre a situação da atriz. Mas afirmou que “o governo continua firme na defesa da democracia, da liberdade, da família e da vida a partir da concepção”.

Doação foi cogitada no caso de Santa Catarina

A adoção também chegou a ser cogitada no caso da menina de 11 anos em Santa Catarina. A família descobriu a gestação após a 22ª semana e recorreu à justiça para realizar o aborto. A juíza Joana Ribeiro Zimmer, que era responsável pelo caso, perguntou, em uma audiência, se a menina aceitaria seguir com a gravidez apenas por mais algumas semanas, para que o bebê tivesse mais chances de sobreviver fora do útero. A menina concordou com a proposta, mas a família buscou apoio do Ministério Público Federal (MPF) para que ela pudesse interromper a gestação. O órgão recomendou que fosse procedida a retirada do feto - independentemente do período gestacional.

Diante da pressão, o hospital, que inicialmente havia se negado a realizar o procedimento alegando que as normas da instituição só permitem a realização do aborto até a 22ª semana, acabou cedendo e a "interrupção da gravidez" foi realizada em 23 de junho. A gestação estava na 30ª semana, ou seja, sete meses.

Rede de proteção

Com o objetivo de apoiar as gestantes e evitar que façam o aborto, existem diversas entidades espalhadas pelo país. Conheça algumas casas pró-vida do Brasil: No Paraná, além do Lar Preservação da Vida, de Maringá, existe a Casa Pró-Vida Mãe Imaculada, de Curitiba, por exemplo.

Em São Paulo, o Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi) e a Associação Guadalupe também desenvolvem esse trabalho. No Rio de Janeiro e em outros estados, a Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, coordenada por Zezé Luz, também oferece apoio à mãe e ao bebê.

Em Recife (PE), também existe o programa “Mãe Legal”. Já na Bahia, a iniciativa que ampara mulheres em situação de vulnerabilidade social é a Associação Oásis da Imaculada.

Confira os contatos de algumas instituições pró-vida:

Paraná - Lar Preservação da Vida, de Maringá | telefone: (44) 3226-2123 / Casa Pró-Vida Mãe Imaculada, de Curitiba | (041) 3329-8662 ou (41)99954-2050 / Vara da Infância de Curitiba | Telefone: (41) 3250-1704

Santa Catarina - Vara da Infância | Telefone (47) 3261-1860

Rio Grande do Sul - Vara da Infância | Telefone (51) 3358-2424

São Paulo - Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi) | Telefone: (11) 94706- 0819/ Associação Guadalupe | Telefone: (12) 997434661 / Vara da Infância de São Paulo | Telefone: (11) 3208-7118

Rio de Janeiro - Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família, do Rio de Janeiro | Telefone (021) 982192812 / Casa da Gestante Pró-Vida | (21) 3762-1873 / Vara da Infância | (21) 3213-4700

Brasília - Vara da Infância | Telefone (61) 3103-3200 / Associação Santos Inocentes (61) 3359-3652 / 99436-7321

Goiânia - Pró-vida Anápolis |Telefone (62) 3313-4792 Vara da Infância | (62) 3236-2700

Pernambuco - Mãe Legal, em Recife | Telefone: (81) 3181-5962 ou 5904 / Acolher, programa estadual e Vara da Infância de Recife | Telefone: (81) 3322-4113

Minas Gerais - Associação Oásis da Imaculada, de Belo Horizonte | Telefone: (31) 33847932 / Vara da Infância | Telefone: (32) 3239-2661

Ceará - Associação Casa Luz |Telefone (85) 3016-2500 Vara da Infância | Telefone: (85) 3278-2696

Amazonas - Vara da Infância | Telefone: (92) 3212-7302

Bahia - Vara da Infância de Salvador| Telefone: (71) 3421-6211

Pará - Vara da Infância de Belém | Telefone (91) 3223-6684


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