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Jaqueline da Conceição Belo, em Palmeira, nos Campos Gerais, onde tudo começou: aos 13 anos no grupo de jovens; aos 22 na equipe do Núcleo de Pastoral da PUCPR | Henry Milléo/ Gazeta do Povo
Jaqueline da Conceição Belo, em Palmeira, nos Campos Gerais, onde tudo começou: aos 13 anos no grupo de jovens; aos 22 na equipe do Núcleo de Pastoral da PUCPR| Foto: Henry Milléo/ Gazeta do Povo

Atrativos

Confira resultado de enquete informal feita com jovens e pastores sobre o que atrai a juventude:

Ação

O jovem pós-Vaticano II não mudou de todo. A mocidade quer fazer algo de concreto. O cristianismo tem de ser palpável. Mas ao contrário de discursos revolucionários, de escala mundial, a tendência é preferir ações locais e palpáveis. "Propor tarefas muito radicais assusta", observa padre Alexander Cordeiro Lopes.

Acolhida

"Sentir-se parte" e ter sua expressão de fé valorizada pela hierarquia é apontado como ponto de atração juvenil. Rejeição à espiritualidade de certos movimentos por parte de clero tende a gerar afastamento e decepção. "Muitos dos que retornam falam do medo de ter novas experiências negativas", diz Marcos Moura, da Arquidiocese de Curitiba.

Anticonsumismo

Marca entre as várias tribos católicas é a rejeição dos excessos da sociedade de consumo. O velho ser no lugar do ter vigora na maioria dos discursos, tal e qual em tempos idos.

Espiritualidade

A juventude de tendência mais politizada permanece no seio da Igreja, mas se nota uma parcela crescente de jovens que valoriza a família, adotando não raro o "namoro santo" – valorizando a castidade – e o retorno à piedade cristã. A oração ganhou fôlego por sobre as cartilhas ideológicas.

Território

Foi-se o tempo do "cada um na sua paróquia". Jovens católicos desfrutam da possibilidade de sair dos limites da sua comunidade e procuram grupos com os quais se identifiquem. Circular por igrejas era privilégio dos evangélicos, agora não mais.

Tolerância

Muitos jovens católicos são filhos de pais divorciados e podem se sentir desconfortáveis nos grupos quando o assunto é tratado com agressividade. De acordo com líderes, a atração pela tradição católica e o trabalho social da Igreja tendem a se sobrepor a esses problemas. (JCF)

Depoimento

Jaqueline da Conceição Belo, do Núcleo de Pastoral da PUCPR

"O que me mantém atuante na Igreja Católica?A possibilidade de tornar meu sonho pessoal e social possível. A cada dia que passa os resultados me mostram que quanto mais a gente sonha junto mais longe fica o que chamam de utopia.

No início eu era uma adolescente que acompanhava a mãe na missa e achava tudo muito chato. Mas quando descobri a Pastoral da Juventude entendi de fato a Igreja, me identifiquei com a proposta de construir uma sociedade melhor.

Um exemplo é o envolvimento de muitos movimentos juvenis católicos na sociedade civil de Curitiba e região, lutando por políticas públicas. Isso demonstra que a Igreja não está de olhos fechados para o que se passa no mundo.

Quanto aos jovens que estão deixando o catolicismo, acho que não existe como falar de uma fatia da população sem entender o contexto social em que vivemos. Não dá mais para negar que mundo está passando por uma crise. Não sabemos mais qual é a nossa identidade. Paramos para fazer tudo – para estudar, trabalhar, sair com amigos, se endividar em lojas... Estamos muito preocupados com nosso exterior, com a roupa que meu vizinho está vestindo. Nos preocupamos com coisas que parecem ser tão importantes e esquecemos de olhar para dentro, de olhar para nossos valores de cuidar do nosso interior. É ali que podemos encontrar nossas raízes, o que realmente nos move...

A juventude é reflexo da crise que o mundo vive. A maioria dos jovens se sente vazio, inquieto e profundamente triste. Precisamos daqueles que já fizeram história. Atenção adultos, nós jovens precisamos a da assessoria de quem já venceu. Precisamos ser encantados com o que moveu os caras-pintadas. Precisamos que nos entendam."

Pluralidade

Depois do "chacoalhão" pontifical de Bento XVI

A Igreja não é nenhuma jovenzinha. Muito menos em se tratando de Pastoral da Juventude. Mas todo e qualquer fiel, presbítero ou religioso envolvido com esse setor cita a visita do Papa Bento XVI ao Brasil, em 2007, como um marco na "primavera juvenil católica". Foi um chacoalhão pontifical, depois traduzido no Documento 85 da CNBB, sobre o tema. Os efeitos são notáveis – por ironia, tornou mais cristã a convivência de espiritualidades e movimentos.

"Tivemos de vencer os preconceitos", diz o padre Alexander Cordeiro Lopes, assessor do Setor da Juventude na Arquidiocese de Curitiba. Entenda-se por isso promover e garantir a convivência dos mais diversos grupos, sem passar por cima deles a máquina compressora. "Não existe uma única maneira de ser jovem nem de ser católico", ilustra.

A Igreja se tornou mais eclética. Aceitou a tribalização como uma marca do tempo. E entendeu que o jovem não seria, digamos, à sua imagem e semelhança. Fora da instituição, idem, esse efeito também pode ser notado. Cresce, por exemplo, o número de evangélicos não ligados a uma confissão, mas a várias – são 14% da população segundo o IBGE. E também aqueles – não contabilizados – que transferiram o ímpeto religioso para as manifestações sociais.

Trata-se de um fenômeno holístico, manifesto em bicicletadas e nos ecoberrantes, para citar dois. "O interessante é essa variável. O Brasil não é menos religioso, é mais diverso. Essa mudança passa pelo jovem", reforça o economista Marcelo Neri, da FGV.

Tolerância

As pastorais ganharam ao assumir uma atitude mais tolerante. "As mudanças de perfil do jovem católico equivalem às mudanças do mundo. Gerou incômodo, é claro, mas não era um problema só da Igreja. Toda a sociedade enfrentou esse desafio", observa padre Alex, listando fenômenos planetários como o individualismo, o desencanto com a política e a busca de espiritualidade – incluindo as religiões orientais.

O religioso festeja os novos sopros. Em vez de trocarem farpas, garante, jovens de movimentos diferentes ganharam com a convivência e inventam "um novo modo de ser Igreja". Uma dessas marcas, diga-se, é a despreocupação quantitativa. Segundo o sacerdote, o avanço contínuo dos evangélicos – na casa de 7%, segundo a FGV – não preocupa a rapaziada, que avalia ser mais vantajoso ver um amigo abraçar uma crença, seja ela qual for, do que se perder nas drogas. Evitar que isso aconteça é uma das grandes causas da juventude religiosa – católica ou não. (JCF)

Rapazes e moças reunidos em ro­­da, cantam ao violão uma música do padre Zezinho: "Eu venho do Sul e do Norte, do Leste e do Oeste, de todo lugar..." Muitos deles le­­vam no peito uma cruz, como diz a canção. Essa imagem dispensa explicações – trata-se da fotografia dos chamados "grupos de jo­­vens", que pipocaram na Igreja Católica a partir dos anos 1960, na alvorada do Concílio Vaticano II, aquele que, no senso comum, "mudou tudo".

Os ventos de renovação da Igre­­ja em meados do século 20, difícil ne­­gar, foram acima de tudo juvenis. A substituição do latim pela lín­­gua vernácula, o padre ce­­le­­bran­­do de frente para o público e a voz dada aos leigos atingiram, so­­bretudo, a camada de fiéis que se viam mais atingidos pelo chamado "mundo em transformação" – da minissaia à pílula, passando pela Guerra do Vietnã, pelas ditaduras militares na América Latina e pelo avanço dos então aclamados "MCS", os meios de comunicação social.

É fato que o período áureo do "poder jovem" na Igreja não veio com a voz do vento ou com a dos Beatles. Foi fruto também do trabalho da chamada Ação Católica, nas décadas anteriores – quando o método "ver, julgar, agir" tirou do comodismo milhares de jovens católicos dos quatro costados. Igualmente é fato que nada disso se resume a uma página do passado. Juventude e catolicismo permanece um assunto tão atual quanto a fome na África.

A cena da moçada em roda e do violão pode ser verificada em pelo menos 80% das paróquias brasileiras, de acordo com dados da Con­ferência Na­­cional dos Bispos do Brasil, a CNBB. E foi conferida pela reportagem nu­­ma manhã de sábado (leia na pá­­gina ao lado), em Curitiba, na vés­­pera de um feriadão. Aqui e ali, desafiam-se as estatísticas que desde o início da década de 1990 apontam uma diminuição significativa de católicos no Brasil, particularmente na faixa que vai da adolescência aos chamados jovens adultos.

Evasão

A última pesquisa publicada – "Mapa das Religiões" – é da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem a chancela do conceituado economista Marcelo Neri e confirma aferições anteriores, como a "Religião e Sociedade em Ca­­pitais Brasileiras", assinada em 2006 pela equipe do sociólogo César Romero Jacob, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Dos 15 aos 39 anos, em duas décadas, a evasão da juventude na Igreja soma 1% ao ano, sendo mais expressiva em dois grupos sociais tão distantes que parecem separados por uma fissura tectônica – os mais pobres e os mais ricos. A tendência foi ve­­rificada no Censo 2000 e, segundo os "porcentos", assim permanece.

Não é uma questão que cause eco nas catedrais – informam em uníssono padres, líderes e jovens que participam em alguma instância das comunidades e movimentos católicos. Al­­guns dos consultados pela reportagem chegam mesmo a dizer que o catolicismo vive um momento de renascimento juvenil equiparado ao pós-Vaticano II.

A afirmação se baseia na mais antiga das ciências – a experiência. Contam como prova a presença maciça de jovens católicos nas redes sociais, tuitando mais do que as contas de um rosário. E as impressionantes Jornadas Mundiais da Juventude, que chegam a reunir 2 milhões de participantes em idade de surfar e namorar. Em paralelo às estatísticas, tudo indica que há um fenômeno nem sempre quantificável pedindo para ser observado.

Jovens chegam à Igreja por "pistas próprias"

A juventude católica mudou de cara. A Igreja se deu conta disso. E reagiu. A começar pela nomenclatura. Na última década, o que se chamava genericamente de "Pastoral da Juventude" – que tanto lembra os algo românticos grupos paroquianos dos tempos idos – passou a ser denominado "Setor da Juventude", um guarda-chuva que abriga a pastoral e outros tantos movimentos eclesiais juvenis.

Faz sentido – é preciso dar conta das mudanças que varreram as comunidades do país, agora nitidamente tribalizadas. "A nossa marca hoje é a pluralidade", resume Marcos Moura, 27 anos, coordenador da área na Arquidiocese de Curitiba.

O que Moura chama de pluralidade são os 17 movimentos diferentes que fazem parte apenas do setor arquidiocesano, atingindo diretamente mais de 50 mil jovens na capital e parte da região metropolitana. Apenas o grupo Canção Nova, calcula ele, agrega 5 mil participantes. Em maior ou menor escala, fenômeno semelhante se verifica em outras divisas.

Essas e outras cifras são festejadas pela Igreja. Pudera – funcionam como um refresco depois de um período de secularização crescente e de conflitos ideológicos talibânicos entre a ala da práxis política e a da espiritualidade. Não causa espanto que os números recém-divulgados pela Fundação Getúlio Vargas não tenham motivado uma vigília sequer. "Diminuiu? Não parece", acha graça a estudante Jaqueline da Conceição Belo, 22 anos, uma das ouvidas para esta reportagem.

Variantes

Estariam os dados errados? Dificilmente. Em entrevista à Gazeta do Povo, o economista Mar­­celo Neri comenta que o maior fascínio das pesquisas sobre religião é a infinidade de variantes que comportam. Em outras palavras, em se tratando de fé, a leitura pura e simples de índices maiores e menores é um passo certo para o erro crasso. Uma dessas ciladas es­­tatísticas é a impossibilidade de me­­dir a intensidade e convicção dos fiéis, determinante na sua permanência numa confissão ou na fileira crescente dos "não cren­­tes". "Temos de admitir que o ca­­­tolicismo cultural está desaparecendo", diz o padre Alexander Cor­­deiro Lopes, 33 anos, assessor do Se­­­tor de Juventude da arquidiocese.

Padre Alex, como é chamado, toca no ponto. Não se sabe em que medida, mas muitos jovens de hoje não herdaram de seus pais a fé ou a imposição de seguir o catolicismo. Milhares se aproximaram da Igreja por pistas próprias e, por isso mesmo, ali tendem a permanecer. Curiosamente, era o que desejavam os jovens das paróquias de outrora. O mundo deu voltas – e, nesse caso, sempre ao som das músicas do padre Zezinho. (JCF)

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