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Rogério Felipe, diretor da Mineropar, coordenou estudo sobre áreas de risco no Litoral | Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo
Rogério Felipe, diretor da Mineropar, coordenou estudo sobre áreas de risco no Litoral| Foto: Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo

Omissão

Faltam preparo e fiscalização

Sistemas de monitoramento, que ajudam na evacuação da população em caso de desastres, são elogiados quando bem executados – o caso de Blumenau, em Santa Catarina, é um exemplo. Servem para mobilizar a população e custam pouco aos cofres públicos. Na maioria dos casos, no entanto, são um paliativo e não resolvem o problema.

"O correto é retirar as pessoas desses locais e impedir que outras se instalem", diz a geógrafa do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) Rosa Moura, que critica a falta de fiscalização do poder público em relação às ocupações irregulares, além das raras políticas habitacionais voltadas a quem ganha até três salários mínimos. "Não existe tragédia natural. O que existe é o descaso", afirma.

A falta de quadros técnicos em prefeituras também é criticada pelos especialistas. "Faltam engenheiros em número suficiente para prever essas catástrofes, assim como para avaliar se uma construção é segura e emitir então o alvará", critica o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Paraná (Crea-PR), Joel Krüger, que também destaca a omissão do poder público na hora de inibir ocupações irregulares. "Eles permitem, em troca de votos, e depois cabe ao Ministério Público fazer o papel de patinho feio e pedir a retirada."

A limitação técnica, inclusive, impede muitas vezes que o recurso federal chegue às prefeituras, pois essas não mantêm funcionários para elaborar projetos e submetê-los à Defesa Civil Nacional. Muitas até desconhecem que há verbas à disposição. Isso motivou a Defesa Civil do Estado a criar uma seção de convênios para auxiliar prefeitos na busca por auxílio.

O departamento foi criado há seis meses e, atualmente, de acordo com o chefe de divisão, major Antônio Hiller, está em busca de recursos para o restante das obras no Litoral do estado. Até o momento, foram liberados, de acordo com o Portal da Transparência, cerca de R$ 18 milhões, mas são necessários mais de R$ 100 milhões para reconstruir tudo o que foi levado pelas águas.

60 mil famílias vivem em locais perigosos

Uma condição básica para prevenir desastres em qualquer região do planeta é saber quantas pessoas vivem em áreas de risco. O raciocínio é elementar, mas ainda não foi colocado em prática pela maioria dos governos Brasil afora. No Paraná, um estudo relacionado a esses números, obrigatório desde 2005, só foi finalizado neste mês.

Chamada de Plano de Ha­­bitação de Interesse Social do Paraná (Pehis), a pesquisa foi elaborada pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), e traça um mapa a respeito de quantas pessoas vivem em situação precária no estado. No total, 60 mil famílias estão em áreas de risco – sujeitas a inundações, enchentes, deslizamentos –, um número que até então o estado não apresentava. Essas famílias estão concentradas principalmente na Região Metro­politana de Curitiba, em Foz do Iguaçu, nos Campos Gerais e no Litoral.

O estudo também mostra que 204 mil famílias vivem nos chamados "assentamentos precários", em que as condições de moradia estão aquém daquelas preconizadas pela Constituição. Dos 399 municípios do estado, 374 foram mapeados.

Com os números em mãos, a Cohapar promete iniciar programas específicos de habitação e cobrar dos municípios que coibam as ocupações irregulares. "Não podemos enxugar gelo. Não adianta retirar as famílias das áreas de risco e permitir que outras voltem a ocupar esses locais. É preciso fiscalizar", afirma o presidente do órgão, Mounir Chaowiche, que tem como meta atender a 30 mil famílias em quatro anos.

Entre as ações previstas para o próximo ano está a captação de recursos junto ao Banco Interamericano de Desenvol­vimento (BID) para a construção de moradias em 30 municípios dentro da área de risco, num total de R$ 50 milhões. Para combater a omissão de prefeituras, o órgão estuda formas de endurecer as regras de financiamento, lançando mão da legislação. Hoje, o Plano Diretor Municipal impede a construção em áreas de risco, mas praticamente toda cidade do país registra casos de ocupações perigosas – e fora da lei.

  • Números sobre investimento em prevenção e reconstrução mostram grande disparidade. Veja

Estamos preparados para evitar a destruição que todo ano se anuncia com a chegada da tempestades de verão? Para quem acompanha e estuda rotineiramente os desastres naturais, a resposta é "não" – seja no Paraná ou no restante do país. A estação mais quente do ano e o início da temporada de chuvas podem encontrar um Paraná vulnerável a ocorrência de novas catástrofes ambientais.A avaliação, feita por profissionais ouvidos pela Gazeta do Povo, pode ser comprovada com números do Portal da Transparência do governo federal: em 2011, até outubro, os investimentos da União em programas relativos a ações de prevenção em todo o país foram de R$ 56 milhões. Já os repasses para resposta e reconstrução, destinados apenas a reparar os estragos do ano anterior, custaram R$ 660 milhões aos cofres públicos.

O investimento federal em prevenção ao longo de 2011 foi menor do que em 2010, quando foram gastos R$ 136 milhões na área, embora no início deste ano tenham ocorrido desastres na região serrana do Rio de Janeiro (com cerca de 430 mortos) e no Paraná (com quatro mortos e mais de 10 mil desalojados e desabrigados em Morretes, Antonina, Para­­naguá e Guaratuba).

No estado, os repasses federais somaram R$ 712 mil em obras preventivas, enquanto os recursos para reconstrução foram de

R$ 22 milhões. Já o estado destinou R$ 543 mil do orçamento de 2011 para a Defesa Civil Estadual, responsável por coordenar ações de resposta a desastres, como a que se viu no Litoral no dia 11 de março, além de programas de prevenção e educação na área.

Mapa de risco

"Avançamos após os desastres de março, com a assinatura de convênios de cooperação entre o estado e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) para estudar esses eventos, além de maior discussão sobre o tema, mas ainda estamos longe do ideal", avalia o coordenador do Centro de Apoio Científico a Desastres (Cenacid) da UFPR, Renato Lima, que esteve no Litoral em março.

Entre os obstáculos, o professor destaca a ausência de um mapeamento de áreas de risco, exigido pelo Plano Diretor de cada cidade e obrigatório para aquelas com mais de 20 mil habitantes desde 2005. Desde o início deste ano, nenhuma das 399 cidades do Paraná deu um passo concreto nesse sentido.

Hoje, 99% dos municípios paranaenses não têm mapeamento, e os que alegam oferecê-lo mantêm o levantamento desatualizado ou em escala inadequada. Mesmo os que sofreram desastres ainda não contrataram equipes para analisar o solo em busca de pistas sobre o que houve por falta de equipe técnica e dinheiro.

"É necessário conhecer esses processos para prevenir novos desastres, mas isso não é feito, e as informações presentes no solo tendem a se perder com novos processos. É como se apagassem as digitais na cena de um crime", compara Lima. Ele defende a realização urgente de uma mapa de risco no Litoral, visto que muitas famílias ainda estão vulneráveis a novos desastres, especialmente na área rural.

Outra grande deficiência é o treinamento da população, que não saiu do papel até agora. Em Morretes, houve um dia de instruções para os moradores, mas não existe nenhum processo sistemático. Em Curitiba, que também sofre com as chuvas, apenas a comunidade do Bairro Alto tem um sistema de alerta em fase de desenvolvimento já testado e conhecido pelos moradores.

Estudo aponta 2,5 mil áreas de risco no estado

Um estudo finalizado na semana passada pela Minerais do Paraná (Mineropar, sociedade de economia mista que oferece suporte técnico ao governo do estado) não permitirá mais que as prefeituras do Litoral aleguem desconhecer os riscos oferecidos por deslizamentos e enchentes que arrasaram a região no último mês de março. Após os desastres, a empresa fez um mapeamento geológico e geotécnico do solo da região, abrangendo uma área total de 1,8 mil quilômetros quadrados, e identificou os locais caracterizados como de alto risco para a ocorrência de acidentes.

De acordo com o diretor-técnico da Mineropar Rogério da Silva Felipe, foram identificadas 2.529 áreas vulneráveis em Morretes, Antonina, Paranaguá e Guaratuba. Os locais considerados de alto risco – quando a probabilidade de um desastre ocorrer é grande, e há ocupação humana e infra-estrutura no local – somam uma área de 108 quilômetros quadrados. Os de médio risco ocupam 96 quilômetros e os de baixo, em torno de 1,5 mil. O mais vulnerável está localizado na Serra da Prata, próximo à BR-277, em Paranaguá, onde ocorreram 49 deslizamentos na época.

A partir da conclusão do estudo, Mineropar e Defesa Civil Es­­tadual devem "traduzir" até o início do ano que vem os mapas para as prefeituras, que precisam cruzar os dados técnicos com informações sobre o número de habitantes de cada local. A partir daí, o município tem como obrigação determinar a desocupação e impedir que novas famílias se instalem.

"A obrigação de se fazer o mapeamento é do Estado, até porque os municípios não têm funcionários e condições financeiras. O estudo leva tempo e custa dinheiro", diz o diretor-técnico. "Mas, depois, é dever das prefeituras respeitar e aprimorar seus planos diretores (que contêm a lei de zoneamento municipal) e impedir construções em locais inadequados. Essas informações serão oferecidas em meio digital e ficarão à disposição dos municípios."

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