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O ministro do STF Alexandre de Moraes.
O ministro do STF Alexandre de Moraes.| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Dos dez ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que condenaram o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), na última quarta-feira (20), cinco defenderam, num julgamento que durou de 2018 a 2019, o poder quase ilimitado do presidente da República para perdoar penas de pessoas condenadas, como fez Jair Bolsonaro em relação ao parlamentar aliado, nesta quinta (21).

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O principal defensor desse poder do chefe do Executivo foi Alexandre de Moraes, relator da condenação de Silveira. Foi ele quem, no julgamento iniciado em 2018, votou primeiro pela constitucionalidade de um decreto de 2017, editado pelo então presidente Michel Temer, que concedeu indulto a condenados por corrupção, na época.

Nesse julgamento, por 7 votos a 4, a maioria entendeu que o STF não poderia interferir na discricionariedade do presidente para perdoar penas, seja por meio do indulto, que é coletivo; seja por meio da graça, que é o perdão individual.

Só seria possível ao STF limitar esse poder presidencial em duas situações. Na primeira, quando o perdão fosse concedido a condenados por crimes que a Constituição veta expressamente – tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos. Silveira não foi condenado por nenhum desses delitos, mas por coação no curso do processo e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, um crime novo, aprovado pelo Congresso no fim do ano passado.

Fora isso, no julgamento do STF de 2018, ficou estabelecido que a Corte também poderia derrubar decretos de indulto quando ficasse configurado um “desvio de finalidade”, situação que foi pouco explorada na discussão e ficou mal definida.

Nos votos do julgamento, os ministros apenas disseram, de forma ligeira, que o indulto serve a fins humanitários ou políticos. Em tese, seria preciso argumentar que um perdão presidencial foge a essas finalidades para considerá-lo inconstitucional.

Acompanharam Moraes os ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Os cinco primeiros votaram pela condenação de Silveira e os dois últimos já não integram o STF e foram substituídos, respectivamente, por André Mendonça (que votou pela condenação) e Kassio Marques (que votou pela absolvição).

Votaram contra o indulto de Temer os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luiz Fux, que também votaram, na última quarta, pela condenação de Silveira.

Nesta sexta-feira (22), chegou ao STF uma ação da Rede para derrubar o decreto de Bolsonaro que concede graça (perdão individual) a Daniel Silveira. Assim, caberá novamente aos ministros analisar se o ato do presidente é ou não constitucional (na segunda parte dessa reportagem, estão resumidos alguns votos sobre como aferir esse enquadramento).

O decreto de Temer, publicado no Natal, também reduzia as exigências que até então eram comuns para extinguir a punibilidade: contemplava, por exemplo, quem tivesse cumprido apenas 1/5 da pena, em vez de 1/3, como antes. Além disso, concedia o perdão independentemente da pena máxima do condenado, além de livrá-lo das multas.

Ainda em dezembro de 2017, a ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF e no plantão, concedeu uma liminar, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), para suspender o decreto. Em março de 2018, o relator, Luís Roberto Barroso, confirmou a liminar, mas abriu brechas para perdoar, por exemplo, condenados por crimes não violentos. Ainda assim, manteve a condenação em casos de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, etc.

Só em novembro de 2018, formou-se uma maioria no STF para manter intacto o decreto. Ainda assim, o julgamento foi adiado por um pedido de vista de Fux e só retomado em março de 2019, quando então foi proclamado o resultado, favorável ao indulto concedido por Temer.

O que disseram os ministros a favor do indulto

A defesa mais enfática sobre o poder presidencial para perdoar penas foi feita primeiro por Alexandre de Moraes, num voto que serviu de inspiração para o decreto de Bolsonaro. O ministro disse que, ainda que muitos juristas não gostem do instituto do indulto, não seria possível expurgá-lo da Constituição e que sua concessão não fere o princípio da separação dos poderes – ou seja, não é uma interferência do Executivo no Judiciário ou no Legislativo.

“Esse ato de clemência constitucional, é um ato privativo do presidente da República. Podemos gostar ou não gostar. Assim como vários parlamentares também não gostam muito quando o STF declara a inconstitucionalidade de emendas, leis ou atos normativos, função constitucional prevista nesse ‘checks and balances’ para o Supremo. Assim como o ato de clemência constitucional não desrespeita a separação de poderes. Não é uma ilícita ingerência do Executivo na política criminal que genericamente é estabelecida pelo Legislativo e concretamente aplicada pelo Judiciário”, disse Moraes.

Ao contrário de Barroso, ele argumentou que o indulto, individual ou coletivo, não faz parte da política criminal e, por isso, poderia contrariar requisitos comuns, estabelecidos em lei ou mesmo em julgamentos, para reduzir a pena de uma pessoa condenada.

Moraes foi além: disse que o perdão poderia ser total, como ocorreu no caso de Silveira. E que servia justamente para conter “excessos da política criminal, genericamente prevista pelo Legislativo e concretamente aplicada pelo Poder Judiciário”. “O indulto pode ser total, independentemente de parâmetros. Nós podemos concordar ou não com o instituto, mas ele existe e é ato discricionário, prerrogativa do presidente da República”, disse Moraes.

Rosa Weber votou na mesma linha, ao afirmar que “o indulto é uma carta constitucional de ampla liberdade decisória atribuída ao Chefe do Poder Executivo para extinguir ou diminuir a punibilidade de condenados”. “A escolha das pessoas beneficiadas e os critérios estabelecidos como necessários para o respectivo enquadramento no ato normativo são de competência do Chefe do Poder Executivo”, afirmou a ministra.

Ela ainda ressaltou que as normas constitucionais não estabelecem critérios para a concessão, exceto quanto aos crimes hediondos, de tortura, terrorismo ou tráfico de drogas, insuscetíveis de perdão. Fora isso, o presidente, na visão de Rosa Weber, tem “ampla liberdade decisória, em conformidade com sua política de governo e de oportunidade política para a formulação do indulto”.

Ricardo Lewandowski, em seu voto, disse que o indulto é um ato político ou de governo e, por isso, “não é sindicável [averiguável] pelo Judiciário”.

“Não há base constitucional para qualquer intervenção do Poder Judiciário que, direta ou indiretamente, importe juízo de mérito sobre a ocorrência ou não de conveniência e oportunidade, uma vez que o único juiz constitucional dessa matéria é o Presidente da República”, disse ainda Lewandowksi.

Assim como vários outros ministros, ele também defendeu o indulto como um ato humanitário, que leva em conta a superlotação de presídios, que segundo Lewandowski, enfrentam uma “cruel realidade”. A pena definida para Silveira pelo STF, de 8 anos e 9 meses, exigiria seu cumprimento em regime fechado.

Gilmar Mendes, por sua vez, disse que não havia qualquer desvio de finalidade no indulto de Temer, uma vez que nem seria possível comprovar, à época, se realmente ele beneficiaria condenados por corrupção na Lava Jato, um dos principais argumentos de quem era contra.

Ele concordou que os únicos limites ao indulto seriam aqueles expressos na própria Constituição, ou seja, a vedação para condenados por crimes hediondos, de tortura, tráfico de drogas ou terrorismo. “Ao Supremo Tribunal Federal cabe o exame de violações manifestas ao texto constitucional”, afirmou Gilmar Mendes. “Inexistente violação manifesta, não se pode aventar teses abstratas e hipotéticas, sem correspondência fática e embasamento constitucional para legitimar restrição à concessão do indulto”, reforçou o ministro.

Último dos atuais ministros a votar a favor do indulto de Temer, Dias Toffoli fez um pronunciamento curto. Num debate ao fim do julgamento, no entanto, deixou claro que, para ele, o presidente pode conceder o perdão total ou parcial de penas. “Quem pode o mais - que é o conceder a graça, que é o perdão total - pode o menos. E, aliás, o juiz também pode conceder perdão”, disse o ministro, que na época presidia o STF.

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