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Carne, leite e ovos começaram a ser substituídos por alimentos como pasta de amendoim, pão vegano e carne de soja.
Carne, leite e ovos começaram a ser substituídos por alimentos como pasta de amendoim, pão vegano e carne de soja.| Foto: Marcos Morelli/SMCS

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu arquivar a investigação do programa Escola Sustentável, criado pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), que prevê a adoção de dieta vegana - sem carne, leite e ovos - a crianças de escolas municipais do estado. A decisão pelo arquivamento foi publicada pelo conselheiro Rinaldo Reis Lima, presidente da Comissão da Infância, Juventude e Educação do CNMP, após visita técnica de conselheiros nos municípios baianos de Serrinha, Barrocas, Biritinga e Teofilândia.

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O programa foi criado em 2018, por iniciativa da promotora da Bahia, Letícia Baird, com a justificativa de levar uma alimentação supostamente mais saudável às crianças, à base de alimentos vegetais básicos e orgânicos, como pasta de amendoim, pão vegano e carne de soja.

A diretriz contrariava o próprio Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que estabeleceu, em 2018, a obrigação de que o cardápio escolar oferecesse aos alunos proteína animal (carne, leite, ovos), pelo menos quatro vezes por semana. Na apresentação do projeto, a promotora defendeu que o Escola Sustentável tinha uma proposta alimentar "mais ecológica" quando comparada com a merenda escolar tradicional.

Após reportagens publicadas em 2019, revelando que as escolas em municípios vulneráveis da Bahia (baixo IDH), estavam com dieta vegana em 40% do seu cardápio, o próprio FNDE (veja qual é a orientação para as escolas) e várias entidades se posicionaram contra a iniciativa.

O Conselho Regional de Nutricionistas da Bahia chamou a iniciativa de "arriscada e não compatível com a realidade regional". O Conselho Federal de Nutricionistas alertou que a medida poderia comprometer o desenvolvimento de crianças em idade escolar. Médicos explicaram que substituir a proteína animal pela proteína vegetal pode prejudicar o desenvolvimento das crianças, especialmente as mais carentes.

As declarações da promotora foram uma das razões que levaram o CNMP a instaurar um procedimento interno de comissão (PIC), de acordo com ofício publicado na quinta-feira (14). Segundo o ofício, a afirmação feita de que os alunos que quisessem comer carne deveriam fazê-lo "em casa, com o seu dinheiro, porque aqui a gente está falando de recurso público" foi considerada um indício de extrapolação aos limites de atuação do MP.

O CNMP averiguou em novembro de 2020 a implantação e a aceitação do programa Escola Sustentável em quatro escolas baianas. E também os Termos de Ajustamento de Conduta firmados com os municípios pelo MP-BA, quando os prefeitos foram "convidados" (com o risco de sofrer processo por improbidade administrativa caso não o fizessem) a participar do programa vegano, como se servir carne, leite e ovos na merenda escolar fosse uma prática que devesse ser "ajustada". Mesmo com todo esse cenário questionável, no relatório das visitas técnicas, que levou ao arquivamento da investigação, consta que a implantação do programa “não se revestiu de qualquer indício de irregularidade ou de falta funcional que legitime a atuação do Conselho Nacional do Ministério Público”.

Visitas técnicas

Nas visitas às escolas que aderiram ao programa, foi designada uma equipe de membros do CNMP, promotores do MPBA e médicos que participaram de reuniões com a direção das escolas, representantes do Conselho Escolar, pais de alguns alunos, nutricionistas e técnicos de cozinha responsáveis pela preparação dos alimentos.

No relatório feito pelos promotores Felipe Teixeira Neto e Rafael Meira Luz, consta que alguns pais e professores relataram uma certa resistência e dificuldades na adaptação do novo cardápio no início do programa, devido à diversidade de públicos na escola. A rejeição maior aos alimentos veganos foi apontada entre os alunos mais velhos.

Na maioria das escolas, as crianças deixaram de comer alimentos feitos com carne, leite e ovos duas vezes por semana. Segundo informações do relatório, todos os alimentos alternativos eram precedidos de teste de aceitação antes de serem introduzidos no cardápio.

Ao final, seguindo o parecer técnico do CNMP, que dizia não existir provas de irregularidades ou motivações pessoais na implantação do programa, o promotor Rinaldo Reis Lima decidiu arquivar o procedimento em março deste ano.

A implantação gradativa do programa foi estimada em 4 anos, até atingir 154 unidades escolares dos municípios de Serrinha, Teofilândia, Biritinga e Barrocas. Com os 2 anos da pandemia, em que as escolas permaneceram fechadas e muitos alunos ficaram sem a merenda escolar, não é possível avaliar o impacto da troca dos alimentos na saúde dos estudantes.

Merenda escolar vegetariana e vegana não são recomendadas

Depois da veiculação da notícia sobre as escolas veganas, o FNDE se posicionou especificamente contra o programa, em junho de 2020. De acordo com a entidade, “a alimentação vegetariana pode ser vantajosa como escolha individual/familiar, mas não a sua imposição indiscriminada para estudantes por meio de uma política pública universal de garantia da Segurança Alimentar e Nutricional”.

“A alimentação vegetariana não é aconselhável porque além de aspectos como respeito à cultura e às normas legais e deficiências nutricionais, ela necessita de diagnóstico e de acompanhamento sistemático do estado nutricional com monitoramento individualizado, o que se torna inviável no ambiente escolar”, explica o FNDE.

Pela Resolução CD/FNDE nº 6/2020, o fornecimento de alimentação vegetariana nos cardápios das merenda escolar, quando definido pela gestão local, deverá ser oferecido em um único dia da semana, em razão da obrigatoriedade da inclusão de alimentos fonte de “ferro heme” encontrado apenas nas carnes animais, no mínimo quatro dias por semana

O FNDE ainda informa que nos dias que não forem ofertados proteínas de origem animal, deve-se garantir e comprovar o aporte determinado de energia, macronutrientes e micronutrientes prioritários, especialmente nas creches.

Segundo o FNDE, a escola precisa comprovar o fornecimento semanal obrigatório de frutas in natura e de legumes e verduras e evitar as substituições de proteína animal por alimentos e produtos ultraprocessados. No caso das creches, com crianças até 3 anos, os alimentos ultraprocessados estão proibidos.

O tema ainda é controverso em outras partes do país. Em Florianópolis, por exemplo, está aprovada uma lei em que obriga a rede municipal de ensino a oferecer merenda vegetariana (não vegana) aos estudantes que assim quiserem. Já no Rio de Janeiro, em março deste ano, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou a criação do Programa de Melhoria na Qualidade da Alimentação Escolar, com a inclusão de opções vegetarianas nas escolas estaduais, nas unidades da Rede Faetec e no Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Cap-Uerj).

A adoção de dietas vegetarianas para crianças e adolescentes tem sido objeto de ampla discussão dentro da comunidade científica e o consenso ainda está longe de ser alcançado. A Academia Real de Medicina da Bélgica (2018) considerou que a dieta vegetariana é inadequada e, portanto, não recomendada para bebês, crianças e adolescentes, bem como para mulheres grávidas e lactantes. No caso de instituição da dieta, o estudo recomenda que suplementos e o acompanhamento médico sejam obrigatórios para prevenirem os desequilíbrios metabólicos.

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