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Basta puxar conversa com a população para confirmar boa parte do que se imagina sobre a Zona Norte e a Zona Sul – mesmo que os moradores demorem a entender essa divisão. "Zona Norte? Mas onde é que fica a Zona Norte", dispara a dona de casa Lucinda Flora Gemelli, 65 anos, há mais de quatro décadas residindo da Vila Fanny – Zona Sul de Curitiba. Dona Lucinda não é daqui, sua casa de madeira segue os padrões das vilas operárias ainda comuns na Zona Sul e pode se dar a luxos impensáveis para moradores do Cabral ou do Bacacheri. "Converso com as vizinhas no muro enquanto o arroz está no fogo. Às vezes, queima. E vou à igreja de chinelo de dedo. Daria para fazer isso noutro lugar?", pergunta, enquanto observa da varanda a paisagem da Rua Major Francisco Antonello – uma das muitas vias ensurdecedoras da sua região.

A propósito – a Zona Sul é a capital do barulho, com suas BRs apinhadas, ruas estreitas e comboios de ônibus e caminhões arruinando muita roupa no varal com tanta poeira. No Norte não é assim. O bancário aposentado Isamo Higa, 58 anos, soma 30 anos de Vila Tingüi – um daqueles redutos inacreditáveis da área mais nobre da cidade. "Eu moraria num bairro da Zona Sul só se não tivesse opção", diz, durante sua caminhada diária pelo Parque do Bacacheri. Para Higa, a região em que vive é organizada, bem-urbanizada e menos violenta – além de mais perto da saída para as praias. "E aqui tem o silêncio", reforça, em meio a um rosário de qualidades sobre a região que um dia virou canteiro de obras e laboratório das experiências urbanísticas que projetaram Curitiba.

A dona de casa Silvana Albuquerque, 32 anos, também moradora do Tingüi, foi tocada pela pasmaceira da Zona Norte há cerca de cinco anos, depois de uma vida inteira na Avenida Francisco Derosso, no Xaxim. "Lá não tinha verde", comenta, no portão de madeira à moda antiga, tendo atrás o gramadão com árvore onde brinca a filha Natali, de 8 anos. Os elogios se repetem na boca do ambulante Manoel Barboza, 54, que vende doces na fronteira do Santa Cândida com Colombo. "Aqui, só falta o prefeito roçar o mato da beira do Rio Olaria", reivindica. O dono de ferro-velho Danilo Melo, 54, não discorda – é nortista roxo, mesmo estando à espera do asfalto há 12 anos. Sua rua está entre os 13% de vias de saibro da capital.

Enquanto isso, há 20 quilômetros da região onde vivem Silvana, Manoel e Danilo, um grupo de moradores avisa que também tem pouco a reclamar. É tarde de terça-feira. Valmir Gonçalves, 43; Ademírio Reis, 31; Laírton Souza, 51; e João da Silva, 44, tomam cerveja num bar verde-esmeralda na movimentada Rua São José dos Pinhais enquanto festejam os avanços do Bairro Novo – região que com vilas e tudo soma 140 mil habitantes, três míseras quadras de esporte e 43 mil domicílios. As reivindicações são básicas: um viaduto no CT do Caju; asfalto, asfalto e asfalto; mais viaturas de polícia. "Tem de pensar que 70% da cidade é de vileiros", diz um deles. Só há um assunto vetado – separar de Curitiba, como fez a Fazenda Rio Grande. O Bairro Novo virava favela. Nada de mexer no que está bom", avisam.

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