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Não é de bom tom grudar os ouvidos nas conversas alheias. Mas acontece que, não raramente, a fala dos outros simplesmente chega aos nossos tímpanos – e aí acabamos filtrando aquilo que chama nossa atenção. Foi o que aconteceu comigo, dias desses, na Boca Maldita.

Pelo pouco da conversa que captei acidentalmente, concluí que uma garotinha de uns 4 ou 5 anos havia "obrigado" a mãe a lhe presentear com um par de botas. Irritado com o impulso consumista da filhinha, o pai vinha censurando-a Boca Maldita afora. Aí ela reagiu com esta frase: "Eu não queria que a mãe comprasse a bota. Eu só queria que ela vesse". Imediatamente a mãe a corrigiu: "Visse. O certo é visse e não vesse". E a menina: "... que a mãe visse".

Esse trechinho da conversa entre mãe e filha exemplifica uma importante questão sobre língua.

Primeiro: temos uma menina que, como todo falante de qualquer língua que seja, coloca em ação um poderoso e eficiente modelo de conjugação verbal: comprar/comprasse; perder/perdesse; ver/vesse... Qual foi o problema? É que o verbo "ver", sem avisar ninguém, se transforma na forma "visse" em determinado tempo e modo de conjugação. Tecnicamente não há problema algum com a gramática da menina. Pelo contrário: a analogia realizada mostra o quão perfeitamente funciona.

Segundo: temos uma mãe atenta a algumas variedades lingüísticas de sua filha. Nossas escolhas lingüísticas, assim como nossas opções por esse ou por aquele par de botas, sempre estão sendo avaliadas. Por isso a preocupação da mãe.

Assim como a menina, milhões de brasileiros fazem apostas acertadas a todo instante, sempre amparados por uma gramática bastante eficiente, perfeita. Acontece que essa gramática gera, muitas vezes, formas lingüísticas que não são legitimadas socialmente.

Adilson Alves é professor do Unicuritiba.

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