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Há umas três semanas, a Folha.com noticiou que o ator Michael Madsen estava sendo procurado pela polícia porque devia US$ 570 mil em pensão para os filhos e a ex-mulher. Numa passagem da matéria, o jornalista escreveu: "Como não apareceu em uma audiência sobre o caso, o juiz CONSIDEROU ELE foragido" (pronome "ele" na função de objeto direto).

Os vícios da profissão me obrigaram a copiar a matéria para uma eventual coluna. Voltei a ela cerca de 40 minutos depois e eis que a passagem tinha sido modificada para "o juiz CONSIDEROU O ATOR foragido" – forma condizente com as lições normativas. O que teria feito o jornalista se corrigir tão rapidamente? Encontrei a explicação nos comentários feitos pelos leitores à matéria. De um total de 48, doze criticavam o lapso mencionado. Havia muitas repetições das lições escolares (o uso do pronome "ele" não está conforme as regras normativas – ou simplesmente: está errado!) e alguns ataques pessoais: "Mandem esse cara voltar a estudar". Outros fizeram piada: "Quem CONTRATOU ELE deve ser demitido".

Esse evento, aparentemente simples, abre a possibilidade de inúmeras considerações, mas vou me ater apenas no fato de que a escola deveria levar a sério a disposição que temos para avaliar os outros (no caso específico, o texto escrito) e tentar qualificar o olhar dos alunos. O exemplo ilustra uma tendência padrão, que é de se dar relevância quase somente a lapsos que aparecem em publicações do tipo "não erre mais". Os leitores, sem que se configure ação ilegítima, ficam muito na superfície dos textos. É preciso aprofundar mais e chegar à forma como os textos recortam e editam os acontecimentos. Não é inútil mirar questões de norma; mais produtivo, porém, é descobrir os discursos veiculados no texto impresso – e sempre, é claro, discutir as próprias normas.

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