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Sempre me perguntam se é correto corrigir uma pessoa que, recorrentemente, comete o mesmo tipo de lapso (ou os mesmos tipos de lapsos) quando fala. Estou me referindo ao registro falado considerado padrão.

Por exemplo, um aluno me disse ter vontade de corrigir uma tia que fala "nós peguemos" e não "nós pegamos", que é a forma socialmente valorizada. Procurei – e sempre procuro – deixar claro que esse tipo de correção toca superficialmente questões maiores, muito mais complexas. Seguramente a tia desse garoto fala "nós paguemos", "nós pesquemos", "nós cortemos". Um pouquinho de curiosidade nos levará a perceber que os verbos terminados em "-ar" (amar, cortar, surrar, chorar etc.) têm a letra E na primeira pessoa do singular (eu): eu amEi, eu cortEi, eu surrEi. No entanto, na flexão-padrão esse E desaparece na primeira pessoa do plural (nós) e dá lugar ao A: nós amAmos, nós cortAmos, nós surrAmos. Milhões de brasileiros, porém, seguem outro caminho, outra lógica, e mantêm o E que aparece na primeira pessoa do singular.

Talvez essa não seja exatamente a explicação mais plausível, mas notem que ela nos oferece, no mínimo, uma possibilidade de entendermos certos fenômenos da nossa língua com um pouco mais de racionalidade. Muitas pessoas adoram corrigir o que julgam ser um erro, mas detestam pensar, fugir do senso comum. Pensar dá trabalho. Mas um pouco de curiosidade não faz mal nesses casos.

O caminho mais fácil é tirar sarro, fazer piada, descaracterizar o falante, dizer que ele não sabe nossa língua. Não custa lembrar que em outros tempos era mais fácil queimar mulheres em enormes fogueiras do que procurar respostas racionais para fenômenos que assustavam as pessoas. Pode parecer exagero, mas os debates sobre língua ainda são marcados por preconceitos e sectarismos que deixariam muita gente da Idade Média ruborizada.

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