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 | Ilustração: Gilberto Yamamoto
| Foto: Ilustração: Gilberto Yamamoto

Um leitor pergunta se no título da música de Raul Seixas (Eu nasci há dez mil anos atrás) há um erro de norma culta.

Só para esclarecer a questão. A maioria dos instrumentos normativos condena o uso de "há/atrás" porque tanto uma palavra quanto a outra carreiam o sentido de passado. Tomemos como referência O Manual de Redação e Estilo do jornal O Estado de S.Paulo: "O uso de 'há' rejeita o 'atrás' quando se refere a tem­­po". Em vez de escrever "Há seis anos atrás fui contratado pela empresa", o correto é "Há seis anos fui contratado pela empresa" ou "Seis anos atrás fui contratado pela empresa". Essa orientação é seguida em textos escritos formais.

Caso obedecesse a essa lição, Raul teria cantado algo do tipo: "Eu nasci há dez mil anos". Nota 10 na norma e zero na música. Vejam: "Eu nasci há dez mil anos/E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais". Claro que há outras saídas para salvar a rima e o ritmo: "Eu nasci há dez mil anos/E sofri muitos desenganos". Ou: "Eu nasci há dez mil anos/E já gastei muitos panos". Se mantivermos o "atrás" em vez do "há", salvamos a rima, mas mexemos no tempo da música. É preciso dar uma paradinha: "Eu nasci (tererê) dez mil atrás/E não tem nada nesse mundo que eu não sabia demais". Melhorou, mas ainda ficou ruim.

Brincadeiras à parte, o fato é que, felizmente, bons músicos e bons escritores, sobretudo de literatura, sabem que não podem e não devem seguir à risca muitas orientações normativas. Isso seria um desastre.

Voltando à questão do leitor, é importante lembrar que a proibição não é legitimada na fala da maioria dos brasileiros. E muito menos no canto, na música. É uma realidade da nossa fala, da nossa língua, do nosso modo de falar, de se expressar.

A lição fica restrita a textos escritos e, no limite, a falas bem monitoradas, em situações muito formais.

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