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Toda terça-feira, assim que minhas mal traçadas linhas são publicadas na Gazeta, começa minha peregrinação mental em busca de um assunto decente para entreter o leitor daqui a uma semana. Não é fácil. Diz o velho lugar comum que a falta de assunto é o filé mignon do cronista – é verdade, quando a crônica acerta o tom e consegue manter com algum estilo uma conversa fiada sobre coisa nenhuma, um malabarismo que, comigo, raramente acontece. Mas às vezes é o excesso de assuntos que atrapalha, coisas demais acontecendo ao mesmo tempo – minha cabeça dispersiva se perde neste mundo velho sem porteira.

A matança no Egito, por exemplo – a Primavera Árabe se transformando no velho inferno de sempre, e o sonho de democracia mais uma vez se esfarela. Mas de quem é o sonho? O desastre egípcio me lembrou a observação do ensaísta inglês John Gray, ao comentar o messianismo bélico-cristão da era Bush (em Al-Qaeda e o que significa ser moderno). Para Gray, a função da democracia, o seu único objetivo, é tão somente permanecer democracia; ela é apenas um sólido recipiente político de ideias contrárias que convivem e se transformam, e não um ideário autônomo destinado a suprimir diferenças. De qualquer forma, o seu conceito supõe, como ponto de partida, uma separação radical entre Igreja e Estado, e nada indica que a maioria do Oriente árabe, ou pelo menos parte substancial dele, esteja interessada nesta separação e nas suas consequências práticas.

E, falando em democracia, agora no Brasil, lembro deste estranho movimento dos "black blocs", um nome chique que parece saído de um desenho animado para crianças, sobre ninjas com superpoderes. Na vida real, o movimento apenas destrói vidros, ônibus, agências bancárias, placas de trânsito e telefones públicos de verdade. O grupo não tem bandeira política alguma. Mas seus soldados são bons no que fazem: acabaram com as manifestações e os protestos sérios no Brasil com uma rapidez e uma eficácia de dar inveja à PM mais truculenta. Pensei numa maneira de defini-los, uma boa síntese, mas a única palavra mais precisa que me ocorre é também deselegante – idiotas. O que não é pouco. A inocência catártica, agindo sobre a incrível tolerância brasileira, acaba sempre por atiçar o amor às ditaduras, catecismo final de todo culto da violência.

Acordei pessimista. Mas o sentimento é química – de repente passa. E há notícias boas para relaxar, que a vida tem também sua metafísica miúda. A espetacular recuperação do Atlético Paranaense, por exemplo. E recebi uma notícia especialmente maravilhosa: vou ser avô! Jamais pensei que um dia eu seria avô – que coisa mais antiga! Dizem que os pais educam, os tios estragam e os avós corrompem, mas vou me esforçar para ser um bom avô. Semana que vem vou comprar um enxovalzinho atleticano para presentear meu neto.

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