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A tragédia ocorrida em São Paulo – o menino de 13 anos que teria matado o pai, a mãe, a avó e a tia-avó, e em seguida se suicidado, é desses mistérios terríveis para os que vivem no conforto da "normalidade". Podemos levantar os fatos – quem fez o quê, quando e como –, o que depende apenas do tirocínio policial. Mas, mesmo com o caso resolvido – supondo-se, o que parece provável pelas informações até aqui disponíveis, que de fato o menino matou a família e matou-se em seguida –, permanece o enigma filosófico, que, independentemente de formação ou cultura, afeta e provoca por igual o gari que passa pela rua, o coleguinha de aula ou o filósofo dando aula na universidade: como algo assim pode acontecer?

Entre as infinitas variáveis que entram em jogo, a mais relevante é a psiquiátrica: trata-se de um doente (como alguém "normal" faria isso?) e, portanto, inimputável, uma perspectiva revolucionária que nasceu da grande racionalização científica do século 19. A busca dos motivos deixa de fazer sentido, porque a mão que aperta o gatilho obedece à doença, não à vontade. É difícil localizar exatamente a fronteira entre uma e outra. E em todos os momentos históricos pesa outra variável, de natureza, digamos, política: em determinadas circunstâncias, chacinas seriam perpetradas tão friamente como as dos psicopatas, mas por motivações ideológicas (laicas ou religiosas). O malabarismo moral envolvido em tragédias desse tipo encontra nos romances de Dostoiévski (como em Os demônios e Crime e castigo) uma refinada descrição. Todo "justiceiro", do traficante do bairro ao homem-bomba, sente-se cheio de razões para matar.

Mas e um menino de 13 anos? Mais: de uma família de classe média, estruturada, com pai e mãe empregados, frequentando escola? Dizem os jornais que o menino, filho de policiais, tinha uma coleção de armas de brinquedo em casa, mas isso apenas o coloca junto com milhões de crianças em situação semelhante que jamais matariam uma mosca. Influência dos filmes violentos na televisão? A Inglaterra é uma das maiores produtoras de séries e filmes policiais em que os mais pavorosos crimes são cometidos; ao mesmo tempo, tem um dos menores índices de homicídios do mundo. Bem, até o príncipe Charles já foi censurado por não se desfazer de sua espingarda de caça, mas isso é outra história.

A boa literatura às vezes dá sugestões que a razão mais chã desconhece. No ótimo romance Corrida selvagem, de J.G. Ballard, um condomínio de luxo é inteiro chacinado, e as crianças desapareceram. Não quero estragar a leitura do eventual leitor; apenas relembro a observação do narrador, um psiquiatra, para quem a civilização havia suprimido o passado e o futuro, e as crianças viviam superprotegidas numa bolha de perpétuo presente e num universo moral sem consequências. Como sussurra o poeta, a loucura tem método.

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