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O país foi pego de surpresa pelos acontecimentos da última semana, o que inclui desde os governantes até os próprios rebeldes. E todos custaram a perceber a extensão da encrenca, como este humilde cronista, igualmente perdido. Não me atrevo a fechar uma explicação; apenas especulo sobre algumas variáveis.

A primeira coisa que surpreendeu foi a estranha ausência de foco das manifestações. De uma concentração pelo passe livre em São Paulo, respondida a pauladas por uma polícia inepta, as multidões começaram a se multiplicar, com objetivos cada vez mais diluídos – cada cidadão tornou-se uma passeata. A insatisfação genérica, em que cabem todas as reivindicações, acabava por se transformar em performance pública – como indivíduos à solta em busca de uma coesão social perdida. Também surpreendente foi a repulsa aos gatos pingados dos partidos políticos tentando pegar carona, incluindo o PT, que quis tirar sua casquinha – convenhamos, com uma respeitável cara de pau. Além disso, os delinquentes da violência urbana se somaram aos rebeldes de ocasião para depredar o que encontravam. Foram minoria, mas a explosão generalizada parece estar sempre por um fio.

Movidos a Facebook, os brasileiros encheram as ruas até no exterior. Haverá aí um espírito de imitação global, de afirmação narcísica, que se realiza e se esgota por si, no jogo de atores e máscaras da rede digital? Ou a raiz é mesmo política? O desastre da infraestrutura e do serviço público, a ofensiva ostentação dos estádios ("falta um país em torno", dizia um cartaz), a Fifa ditando regra e o esbanjamento de dinheiro por si sós fariam a multidão se mover?

De tudo um pouco, mas sem dúvida é política, e com efeitos avassaladores – uma percepção política fragmentária, emocional, à margem dos partidões oficiais, que foi dando vazão crescente à medida que mais sentia a si mesma no espelho coletivo.

Foi uma incontrolável reação psicológica diante do atual vazio de poder, o governo que, eleito como poste, permaneceu um poste, sem contato dinâmico com o país. A presidente, embora mantendo uma imagem positiva (a "gerente honesta"), é também alguém sem carisma, humor ou empatia; comunica-se mal, como um autômato transmitindo ordens do dia. É um governo fosco, arrogante, burocrático, sem ideias. O sonho desabou por completo: a terraplenagem política, típica de República velha, que Lula estimulou como nunca em seu governo, deu ao Congresso a cara que ele tem hoje – a grotesca Comissão dos Direitos Humanos, com sua cavalaria medieval, é apenas o lado mais pitoresco do desastre.

Steve Jobs, o herói mitológico da era digital, dizia que as pessoas não sabem o que querem até que alguém diga para elas. Talvez seja esse o caso na próxima eleição, porque a política é incontornável: o candidato que mais nitidamente interpretar a revolução das nuvens que agora se movem assumirá a Presidência.

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