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 | Gilberto Yamamoto
| Foto: Gilberto Yamamoto

Último sábado, Marleth Silva, minha colega de página, relembrou Carlos Drummond de Andrade, um poeta fundamental da minha formação de leitor. Seus poemas são sínteses maravilhosas de um olhar muito especial sobre a vida e o mundo, ao mesmo tempo refinadas e populares, como o imortal "e agora José?". E um olhar especial também sobre o Brasil. Pegando carona na crônica de Marleth, recordo dois versos avulsos de Drummond, um momento de humor que me ocorre agora: "Preciso escrever um poema sobre a Bahia. Mas eu nunca fui lá".

Lembrei-me dos versos porque neste exato momento estou na Bahia, a convite da Bienal do Livro, no vigésimo andar de um hotel com uma bela vista para a baía de Todos os Santos, onde o Brasil começou. Fosse eu poeta, escreveria quem sabe alguma coisa transcendente sobre a paisagem, o sol sobre o mar verde e azul, sobre a chegada das caravelas, sobre o tráfico de escravos, sobre a cor de Itapuã ou sobre minha presença acidental na cidade. Talvez conversar fiado sobre a alma baiana, este jeitão despachado e falador, temperado pelo sotaque musical, tão anticuritibano, o avesso do nosso "leite quente". Ou poderia contar da minha passagem por aqui, mochileiro, em 1972, descendo de um festival de teatro em Caruaru – entrei em Salvador embasbacado, com a devoção de noviço desembarcando em Santiago de Compostela. Ou escrever sobre Gregório de Mattos, Glauber Rocha, Jorge Amado, Caetano Veloso – esta seria uma lista interminável. Que brasileiro não tem alguma relação com a arte baiana?

Quem sabe, mais prático, falar sobre a política baiana, que os brasileiros também conhecem de perto? Vim do aeroporto ao hotel sob a sombra de painho Antonio Carlos Magalhães, cuja alma parece assomar em toda parte. Talvez falar mal da política, esse esporte nacional, como o motorista que me levou ao hotel – mostrou uma cratera na via rápida, já de três dias, e a fileira de carros com pneu estourado no acostamento adiante (naquele momento eram cinco carros, cidadãos irritados abrindo porta-malas atrás da chave de roda). "Furassem um pneu de deputado e a cratera se fechava em meia hora", disse ele. "A minha sorte é que eu já conheço o buraco." Ou sobre a culinária, muito mais interessante. Ontem à noite me levaram a um restaurante sensacional onde me serviram um ensopado de camarão que, a cada garfada, tornou minha vida melhor. Fiquei matutando que temperos iriam ali. O coentro dava o toque final.

Vou à janela e olho o mar de novo, um tom de verde que se transforma em azul. As ondas formam um contorno caprichoso de espumas ao bater nas pedras. À esquerda, no horizonte, a massa cinzenta e interminável de prédios relembra que estou no Brasil, mas sempre há o mar para descansar os olhos. Talvez escrever simplesmente sobre o mar, fosse eu poeta. E tudo que me ocorre é olhar para o relógio e esperar a hora do almoço.

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