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No clássico poema "A terra devastada", de 1922, o poeta T.S.Eliot diz em um verso célebre que "abril é o mais cruel dos meses". Vivesse ele nesses tempos mais prosaicos, lamentaria o mês de dezembro, que enlouquece meio mundo, entope as ruas de carros buzinantes, as lojas de infelizes, as calçadas de formigas humanas, as cidades todas de um frenesi inexplicável. Tenho a sensação de que em dezembro irrompe uma febre coletiva e alucinatória. Entramos num túnel devorante do qual só se consegue realmente escapar quando, enfim, o calendário vira o ano de vez.

Provavelmente se trata apenas de mais um caso do clássico "problema meu" que se transforma por um truque de retórica em problema universal. Ao contrário do que sente o cronista, existem mesmo razões de sobra para se agitar em dezembro. Começa pela simples e milenar divisão do tempo nessa régua arbitrária de doze pedaços que parecem fazer parte integrante da natureza, como se o dia da criação – o dia? – já viesse empacotado com uma dúzia de etiquetas para manter algum prazo de validade e dar chance a uma eventual reclamação dos consumidores do tempo. Assim, o último mês do ano está carregado de simbolismo, e não só religioso. Na divisão escolar do hemisfério sul, o final do ano coincide ainda com o fim do ano de estudos – sob qualquer ângulo, parece que o poder do ciclo vital se concentra inteiro na mística da noite do 31. No fim do ano também se fazem os balanços das empresas, as estatísticas do Detran, as listas chatíssimas de o melhor isso e o pior aquilo, as profecias do ano-novo, de pajés e de economistas, e a avaliação dos destroços do ano velhinho que se foi – em geral, tarde. O desejo de renovação da vida é poderoso, e, afinal, as estações se repetem biblicamente em todo o mundo (exceto em Curitiba, como sabemos, mas o calendário sempre foi mais importante que a realidade). Festejar o fim de um ciclo natural, mesmo na marra, grudando algodão em pinheirinho para fingir uma neve inexistente, é portanto velho como as pedras, repetindo uma metáfora idem.

O engraçado é que não há mais nenhum ciclo "natural" em jogo. Um moralista diria que a única coisa que há é uma obrigação compulsiva de felicidade que, por força de seu fundo falso (embora capitalistas até a alma, temos um problema terrível com o capitalismo, esse nosso irmão e nosso companheiro), transforma-se facilmente no seu contrário. Mas moralistas são pessoas chatas. Lembro aqui a sugestão de um amigo, estressado e irritado com a aporrinhação do Natal, brandindo uma lista de 27 presentes para a festa que duas semanas antes já estava enlouquecendo a familhagem inteira – imaginou uma trapaça metafísica em que ele pudesse ir dormir no dia 15 de dezembro, para acordar, lépido e faceiro, em 2 de janeiro.

Só mesmo pedindo ao Papai Noel.

Cristovão Tezza é escritor.

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