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Era uma bela manhã em Curitiba, como diria um romancista do século 19, abrindo um capítulo, pensou Beatriz no elevador, com a lista dos livros na mão – mas teria de mudar a cidade, Paris, muito provavelmente, ou quem sabe Viena ou Berlim, já entrando no século 20, uma vez que não há belas manhãs em Lon­­dres, só chuva e nevoeiro, é o que dizem e escrevem – mas que bo­­bagem, eu praticamente jamais saí de Curitiba, e ela saiu à rua com bons sentimentos na alma. Um dia bonito, sim, o céu azul, e a temperatura amena, ela escreveu mentalmente, e enquanto andava inventariou distraída suas próprias viagens: algumas vezes em São Paulo, duas vezes no Rio de Janeiro, incrivelmente nenhuma vez em Florianópolis (exceto quando era tão criança que não restou nada), mas uma em Porto Alegre, por conta do marido, e Beatriz sorriu, não do marido, mas da viagem, que foi agradável como uma lua de mel, a única que tiveram. Houve uma excursão a Recife, de cinco dias, tão longínqua que também parecia da infância, e de que lhe restou pouca lembrança, além do sotaque das pessoas que ela ouvia quase sorrindo de curiosidade, aquela música da fala. E aí pipocaram na memória, atravessando a Praça Santos Andrade, ou­­tras mil viagens miúdas, para Vila Velha, Lapa, Caiobá, Mor­­re­­tes, Paranaguá, uma esticada a Foz do Iguaçu, e dali ao Paraguai, de onde trouxe a máquina fotográfica que tem até hoje, e da qual a amiga lhe disse há duas se­­manas, quase um escândalo: mas só tem 2 megas! E houve, é claro, aqueles 15 dias em Bar­­ce­­lo­­na, a convite da amiga catalã que se foi para não mais voltar. Pensou em fazer uma lista das cidades que conhece; e outra com as cidades que precisa co­­nhecer. Cruzou a Praça Generoso Marques dizendo a si mesma que precisaria viajar logo, o quanto antes, para um grande número de lugares – ela queria conhecer Nova York, Paris, Londres, Roma, São Pe­­tersburgo, Gdanski (de onde, diz a família, veio seu bisavô), Pe­­quim – e o que mais? Se não viajasse logo, logo perderia a vontade e ficaria para sempre em Curi­­tiba. É que – e a vista da catedral distraiu Beatriz, perdida no mapa mental, imaginando onde seria o sebo que ela descobriu na internet e lembrando da clássica fotografia de um zeppelin que veio de longe para cruzar o céu de Curitiba, milênios atrás, todos os chapéus olhando reverentes pa­­ra o alto. Preciso viajar de zeppelin, ela cantarolou e conferiu a catedral – só um dos relógios funciona, é uma catedral pesada, mas no entorno da praça fica bonita pelo simples fato de ter mais de 50 anos, ela concluiu lembrando da monografia a fazer, o que eu sei de arquitetura? Ninguém mais sabe, disse o professor: vivemos em cidades horrendas que brotam de lugar nenhum; os prédios são monstrengos sem DNA. Entrou por acaso na Saldanha Marinho e súbito estava com A interpretação dos sonhos na mão, será mesmo esse o sebo que eu vi na internet?

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