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É uma grande tentação epistemológica, digamos assim, com pompa, circunstância e alguma imprecisão, relacionar temperatura ambiente e temperamento: simplifica a interpretação da vida e do mundo. O termômetro determina nossa alma, e não essa complicação toda que a gente lê nos livros e nos jornais. É verdade que não há base científica para afirmar que islandeses, finlandeses, curitibanos e suecos seriam mais taciturnos, quase que permanentemente rodeados de gelo, enquanto baianos, manauaras e caribenhos mais extrovertidos e alegres, sempre banhados de sol, mas o senso comum diria que sim. A cabeça de alguém que vive o ano inteiro encarangado dentro de um iglu salgando peixe certamente não funciona do mesmo modo daqueles que vivem à solta sob um teto de palha trançada, bebendo água de coco e coçando a barriga, embora seja difícil afirmar quais sejam esses efeitos, já que uns e outros riem e choram do mesmo jeito.

Li uma vez, num daqueles almanaques de infância que davam de brinde nos armazéns de esquina, no tempo em que existiam esquinas e armazéns de secos e molhados, que, enquanto homens pré-históricos de regiões quentes desenhavam nas cavernas animais correndo ao ar livre em traços rápidos e leves, os de regiões frias concentravam-se em revelar em detalhes as entranhas dos bichos. O exemplo que o almanaque dava das inscrições rupestres dos povos frios me lembrou esses diagramas das denominações das peças do boi que encontramos em alguns açougues, transformando o desenho de uma rês em um mapa político do Brasil.

Em suma, seres tropicais vivem para fora, alegres e felizes, ouvindo Dorival Caymmi e Perez Prado, enquanto os abomináveis homens do gelo vivem para dentro, não só das casas, mas também das cabeças, ruminando abstrações geladas e ouvindo intermináveis concertos de Sibelius enquanto os nove meses de inverno não passam.

Não sei se é verdade. O que eu sei é que o frio traiçoeiro de Curitiba, que ataca pelo método da guerrilha, surgindo na manhã mais inesperada ou soprando num fim de tarde abrupto em pleno novembro, tem o dom de me deixar melancólico, assim como o vinho. Mas a melancolia do vinho eu resolvi trocando-o pela cerveja, que no segundo gole já me deixa feliz como nunca fui, liberando a risada e o bom humor; já a melancolia do frio não tem solução, a não ser me encapotar. Sinto que este foi um ano pesado para mim, e especulo o quanto o frio fez parte do pacote, um frio intenso, teimoso, renitente, um frio bumerangue, um frio ridículo às portas do verão – eu louco por uma camiseta libertária, e nunca chega a hora de usar. Não sei o que esses cientistas loucos querem dizer com o aquecimento global, com o perigo do derretimento dos polos, com o horror dos vapores quentes. Não adianta, nem vamos aproveitar o calorzinho; Curitiba não consegue mesmo se globalizar.

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