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Quando vou fazer palestra, sempre me perguntam – ou a questão já faz parte do formulário do evento – que material vou precisar: quadro, computador, projetor? E eu sempre peço um copo d’água – com a idade a sede aumenta, é engraçado – e um microfone, se a sala for grandinha. O resto é conversa. É claro que o meu tema de sempre – "Literatura em Geral" – ajuda nessa economia de meios: falar e escrever, quase tudo a ver. Imagino que se eu desse palestras sobre infecção da lâmina ungueal por dermatófito, ou, em outra área, discorresse sobre a garantia quirografária de debêntures escriturais conversíveis, talvez eu precisasse de alguma ajuda gráfica, um bastãozinho com laser, um notebook, onde eu clicasse de vez em quando para mostrar na tela a imagem assustadora de uma micose de unha ou uma tabela didática de rendimentos ano a ano.

São recursos impressionantes. A primeira vez que tive contato com a tecnologia de palestra foi no primeiro ano primário, há mais de meio século. Entrei na sala e vi o centro do quadro-negro (material que continua imbatível em toda parte) coberto com um papel, preso com fita durex. A professora esperou que todo mundo se sentasse, em silêncio (eram os maravilhosos tempos do ensino repressivo, quando professor mandava de régua na mão e aluno obedecia quieto), e ninguém tirava os olhos daquele papel misterioso, a respiração suspensa. Até que ela foi ao quadro e revelou o mistério: apareceu uma árvore bem bonitinha desenhada com giz, galhos frondosos com ramos caprichados, e, pendurado num deles, uma bela maçã pintada com giz colorido. Em seguida, ela contou uma história sobre a árvore e sobre a maçã; e sobre o Juquinha, que queria muito aquela maçã, mas não a alcançava. Ele precisava de um gancho – e eis que na hora ela desenhou um gancho com o formato perfeito para puxar a maçã: o número 1, um número 1 gigante. E assim entrei no mundo da Matemática. (Até hoje sou ruim em Matemática, mas não por falta de estímulo.)

Foi o meu primeiro power point. Melhor até: nenhum risco de tirar o papel da frente e a árvore desaparecer ou surgir a tela azul do Windows. Além disso, seria preciso instalar o projetor e notebook (a bateria está carregada?), o que leva tempo – a professora ainda acabaria perguntando se algum aluno sabe se a conexão é pela porta USB ou HDMI. A lâmpada poderia queimar bem na hora, e adeus Número Um. A cortina da janela estaria rasgada, o sol dando reflexo na tela – ninguém enxerga direito. No momento de passar à imagem seguinte, o sistema trava. Enfim, o número 1 seria um zero à esquerda.

Talvez eu esteja muito pessimista. Mas com fundamentação empírica: raramente vi uma apresentação "eletrônica" que não falhasse. E, quando funciona, costuma se resumir apenas a slides com decorebas de aparência moderna. Tenho a sensação de que a falha, nesses casos, é sempre humana.

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