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Minhas férias – digamos assim, já que na livre iniciativa eu mesmo decido meu descanso, o que é sempre um problema sério a essa altura da vida – estão chegando ao fim. Contemplando o lagarto no quintal, tento me acostumar com a ideia de que o gênero humano não suporta mais de 30 dias de vagabundagem e que, portanto, é hora de subir a serra, pagar pedágio e voltar à vida real.

Já sei exatamente o que vou encontrar em Curitiba, tudo empilhado na minha mesa de trabalho: carnês do IPTU e do IPVA (sempre com a clássica dúvida se devo pagar em parcelas ou à vista), mais condomínio, luz, água, escola do filho, natação, gás, telefone fixo, internet banda larga (acrescida do pacote do modem para as viagens), celular, revisão do carro, assinaturas de jornais e revistas, cartões de crédito com seu rosário de prestações, mais a tevê a cabo (sabendo desde já que não estão passando os jogos do Atlético, o que talvez seja até melhor para o meu coração, pelo que venho ouvindo no velho e bom rádio) e – não me lembro mais. Mas sei que não é só isso. E em Curitiba o tempo sempre é mais curto e atravancado.

Decidi ficar por aqui. Tudo é melhor, desde que amanheço: não é preciso colocar meia e sapato – basta um chinelo, com aqueles dedões felizes. Roupa, só bermuda, com uma camiseta velha por cima. Se o sol está forte, vai bem um boné. Abro a janela e confiro o tempo: quase sempre se alternam chuva e sol, às vezes tudo ao mesmo tempo. Há um toque primitivo no clima aqui embaixo: ventos furiosos, chuvas torrenciais, seguidas de sol de rachar, como se o mundo estivesse começando agora, com tudo por fazer. A visão do lagarto, imóvel e desconfiado entre as folhagens, completa a fantasia. Além do mais, estou a dois passos da caminhada diária, durante a qual contemplo o mar e penso na vida.

O balneário não cresceu nos últimos anos, o que é uma dádiva, e o caminhão do lixo passa regularmente, o que também é. E o único carro de som que chega por aqui é o do pão caseiro, às 6 da tarde. É verdade que, nos fins de semana, há ainda quem desembarque na vizinhança e imediatamente partilhe suas músicas com o mundo, num volume de quermesse na igreja. Para meu azar, nunca são as de minha preferência. Fico aguardando o fim do disco, sugerindo mentalmente que o pessoal dê uma passeada na praia e desligue o som descomunal – às vezes o poder da mente funciona.

O pior é aquele ruído eletrônico sistemático – tum-tum-tum – que, como os alarmes de carro, tem uma frequência cientificamente programada para enlouquecer o ouvinte. Mas, de fato, a violência sonora tem sido cada vez mais rara, e os ataques de decibéis assassinos em geral ocorrem apenas em alguns horários dos fins de semana.

E que maravilha de segundas-feiras! Como agora: terminando minha crônica, olho pela janela, feliz. Não quero voltar.

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