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A tese de que a falta de assunto é o filé mignon do cronista e o estopim de textos brilhantes so­­bre o nada não é verdade – pelo menos para alguém desprovido de imaginação co­­mo este escriba. O velho professor que temia o improviso e com­­pensava a insegurança com planos de aula antecipados a longo prazo, agora se tornou o cronista que sofre com a urgência do texto e o vazio do assunto. É só sair a crônica da terça com um suspiro de alívio, e na ma­­nhã de quarta ele começa a suar – uma semana de aflição em busca de um tema qualquer que segure o leitor. Envergonha-se por essa invasão semanal na vida alheia, o jornal no café e sua cara sorridente na página 3, o chamariz de um título e os 2800 toques mortais da crônica. Sobrevivi? – ele se perguntará na eterna manhã das terças, ex­­posto à justiça ferina, implacável e sem retorno de quem não tem tempo a perder e é a razão de ser do jornal – o leitor.

E logo hoje – a crônica número 100! Cem vezes estive aqui – um centenário simbólico. O que era para ser uma comemoração feliz se transforma na agonia de uma tela em branco, o projetor pifado, nada a ver. Pede socorro em casa, atrás de assunto: escreva sobre a falta de assunto – sugerem sorridentes, sem levá-lo a sério. Lá isso é tema para um centenário? O Lula, talvez? Ou um tema mais quente: os fantasmas e assombrações da Assem­­bleia? Ou a importância da leitura? – melhor não fazer discurso em crônica, ainda mais em causa própria. Quem sabe algo severo: a inexistência da literatura brasileira no resto do mundo – não, hoje é dia de falar de algo mais para cima. A Austrália? Imagino o leitor impaciente fechando a página: lá vem esse cara falando da Austrália de novo. Se é tão boa, por que não se muda pra lá?

Súbito, o estalo: o grande Atlé­­­­tico Paranaense, é claro! Faz me­­ses que não falo dele – mas a tela em branco continua, mesmo com o tema escolhido. Não há o que dizer do Atlético. Aguar­­demos. A espera é a última que morre. Sonho: em breve estaremos disputando vaga na Liber­­ta­­dores. De repente vai surgir uma sequência de vitórias espetaculares para a alegria do cronista.

Os dias se arrastam, a semana avança e os temas voam – tanta coisa para dizer! As calçadas horrorosas de Curitiba, aquelas pe­­dras tortas e quadradas – se fosse chão de terra batida seria me­­lhor. E eu com planos de caminhar diariamente, o projeto frustrado de andarilho. Ou o desejo de passear pela cidade naquele ônibus sem teto de tu­­ristas, tirando fotografias, como se eu não fosse daqui. Perguntas crônicas: a candidatura da Dilma é uma es­­pécie de triunfo do velho Parti­­dão? Qual a relação entre a cultura do shopping center e a violência urbana? Por que o brasileiro é o povo mais feliz do mundo, segundo as pesquisas? "Dunga" é um bom nome para técnico?

Tudo para escrever – e nada me ocorre. Esgotado, viro a página. Amanhã recomeço.

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