Estão dizendo que o capitalismo acabou. Mais: acabo de ler na internet que o estouro da bolha das hipotecas – ou da bolsa de Nova Iorque, esse rolo todo – é o equivalente ocidental à queda do famigerado Muro de Berlim. Não entendo de economia – sei apenas que a poupança é uma aplicação segura que o Estado garante até certo ponto caso o banco vá à falência; para mim, é um saber suficiente. Mais que isso seria cultura inútil, já que não tenho dinheiro. Mas descobrir subitamente que o capitalismo acabou e o que está acontecendo no mundo todo é uma reedição invertida da queda do Muro até que me deixou animado.

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A primeira sensação é um certo conforto – afinal, eu não estava errado na juventude quando ansiava tão ardorosamente pelo fim do capitalismo. Incrível – eu já sabia! Eles mesmos, os capitalistas, se acabaram por conta própria, comprando e vendendo aquela papelada de conto-do-vigário, uma corrente de felicidade universal, até que as casas literalmente caíram. Fim do capitalismo! Nem foi preciso pegar em armas.

Mas, para falar a verdade, ainda não notei muita diferença. Afinal, sou há duas décadas funcionário de uma empresa estatal do ramo de produção de conhecimento, a Universidade Federal do Paraná, que já vive uma gestão inspirada no modelo socialista, de centralismo democrático em sistema de arquipélago, tradicionalmente imune às tempestades do mundo externo. O mundo pode acabar, mas jamais a universidade, sólida como um claustro medieval, que aliás é a sua origem metafísica. Assim, nesse aspecto, a implantação do socialismo – bem, não sei exatamente o que vem depois do fim do capitalismo, mas imagino que, de acordo com a cartilha da História, deve ser algum tipo de socialismo, ou uma reedição atualizada dos falanstérios de Fourier – não me afetará muito a curto prazo.

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Estou desconfiado, entretanto, de que a queda do capitalismo anda meio demorada. Os tais meios de produção de riqueza, que deveriam voltar ao Estado o quanto antes para uma redistribuição mais equânime de bens, parece que continuam nas mãos dos capitalistas. Eles são cheios de truques. Ao ver uma fila comprida no caixa do supermercado, cheguei a imaginar que talvez estivesse em início uma racionalização de cupons (de cada um, segundo sua capacidade; a cada um, segundo sua necessidade), mas não é nada disso – só não contratam mais funcionários para aumentar o lucro. É sempre assim. E agora, com a crise, dizem que estão mais pobres, chorando pitanga. Vão demitir mais gente – o perigo é que, agora sim, reapareça o Capitalismo Selvagem, com seu cavalo negro, que parecia mais ou menos domado. Enfim, a coisa é confusa.

Andei vendo os noticiários de tevê, para saber as novidades da derrocada, mas não estão informando nada a respeito. Só notícia diversionista para distrair a atenção das massas.

Cristovão Tezza é escritor.