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 | Gilberto Yamamoto
| Foto: Gilberto Yamamoto

Uma vida de papel – essa seria uma boa definição para as gerações que nos antecederam. Papelada da burocracia, papelada do Judiciário, papelada dos escritores e dos leitores, papelada das cartas, dos carimbos, dos cartórios, e a onipresente papelada dos jornais, das revistas e dos livros. Desde Gutemberg, e assim que o Estado moderno foi se constituindo como uma máquina centralizada de controle dos cidadãos, o mundo do papel foi se multiplicando até o limite. Abria-se uma gaveta, e o que se encontrava? Papel caindo pelas bordas. Ainda hoje sentimos um toque mágico na ideia de permanência física que o papel evoca: uma "escritura", um "contrato", um "documento", um "manuscrito" são objetos que mantêm uma certa aura sagrada. Por outro lado, na sua versão profana, "papelada" lembra tudo que é burocrático, chato, redundante ou simplesmente estúpido nesse mundo em que temos de provar tudo por antecipação e a nossa palavra, por princípio, não vale nada.

E de repente me ocorreu que, hoje, só uso papel-moeda, o bom e velho dinheiro, para comprar pão e pegar táxi. No mais, como quase todo mundo, uso um cartão de plástico com uma senha (através do qual, outro detalhe, posso ser rastreado eletronicamente quase que 24 horas por dia, na sequência de minhas compras cotidianas, num controle com que nem o mais paranoico ditador conseguiria sonhar). E semana passada terminei de ler uma biografia digital de Véra Nabokov, que viveu 66 anos com o célebre escritor Vladimir, de mesmo sobrenome – que, aliás, escreveu Lolita e todos os seus livros em fichas de papel. Uma "biografia digital", ou, melhor dizendo, um e-book. Foram 400 ou 600 páginas (não sei; depende do tamanho da letra que se escolhe para ler) que li apertando um botãozinho do kindle, uma tabuleta eletrônica vendida pela Amazon. As vantagens: não ocupa espaço, e uma única tabuleta pode conter cerca de 5 mil livros, uma fantástica biblioteca pessoal. As desvantagens: não dá para "folhear" um livro digital, nem voltar rapidamente, de um golpe, ao primeiro capítulo, só para conferir um detalhe, o nome de um personagem ou uma data. Um livro digital é sempre mais duro de manejo. Talvez os primeiros leitores de "livros", no século 15, também sentissem saudades dos rolos de manuscritos (que, aliás, voltaram à moda no final do século 20, nos monitores de computador).

Está claro que com o livro digital não vai acabar o de papel – eu mesmo já separei as áreas: prefiro ler não ficção em formato digital, e ficção no papel. Mas já há alguns anos não escrevo mais em papel, além de lista de supermercado (e escrevi dez romances à mão!). Nenhuma das minhas crônicas foi sequer impressa aqui em casa, o que faz da impressora, este mimeógrafo sofisticado, uma entidade já em franca obsolescência. Às vezes imprimo uma foto. Mas já ando até pensando em comprar um porta-retrato digital.

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