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Há palavras que cumprem exatamente o que prometem: geringonça, por exemplo. É uma palavra perfeita: ela, em si, é o que define. Uma geringonça. Ou então esta bela palavra: sussurro. Até aproximamos a cabeça para ouvi-la melhor. Outras palavras são inadequadas: à primeira vista, ao primeiro som, parecem ter a ver com o objeto que representam, mas exageram – é o caso de paralelepípedo. Típica palavra que começa bem, mas no fim sai de foco. Aquele "pípedo", lembrando perna de garça, ou um longo e fino canudo de alguns tipos de bambu que proliferam em terrenos pantanosos, dá uma espécie de leveza totalmente estranha aos paralelepípedos, coisas que por natureza não se movem nem se plantam. Quer dizer, se plantam, mas não são bambu – bem, vocês entenderam o que quis dizer. Por falar nisso, bambu é uma dessas palavras que têm a ver, a gente sente essa estranha identidade entre o som e o objeto.

Algumas palavras são de uma exatidão sonora quase que matemática, mas precisam de acompanhamento: triz. A palavra é perfeita: triz. Nada a tirar nem pôr: você sente a coisa antes mesmo de pensar. Mas, para funcionar, precisa de um pequeno comboio: por um triz. Outra palavra perfeita: peteleco – e essa fica em pé sozinha.

Já "australopiteco" parece o tipo da obra de uma comissão acadêmica, que criou o termo depois de muito deliberar, com dois votos contra; aliás, é palavra que é em si mesma a exposição de seu pedigree, tem sabor de cátedra e de questão que cai na prova, primata da família dos hominídeos, essas coisas. Tudo bem, o austral indica Região Sul – nós aqui de Curitiba somos meio austrais, uma palavrinha já consagrada pela ciência, mas o tal do "piteco" é que não pega. Conferindo no Houaiss a gente descobre que é importação do grego: pithekos é macaco, daí vêm os pitecantropos (que, não parece, mas somos nós, da família do chamado homo erectus, um latim cheio de duplos sentidos) e outros bichos. Há alguma coisa intrinsecamente engraçada nessas palavras posudas. Foram feitas para a escrita, não para a garganta. Palavra boa mesmo é palavra pronunciável – coisa que a própria "pronunciável" não é, com seu sabor de discurso.

E há palavras que, definitivamente, nada têm a ver com o que representam. Veja-se o caso de "vaca" – nenhuma relação entre aquele ser simpático e tranquilo, uma vaquinha pastando na sombra, e "vaca", que soa apenas como um xingamento. Já "boi", por esses mistérios sonoros da língua, é o exato retrato do bicho. Assim como "elefante", ou, um caso extremo, "rinoceronte", que parece mais um desenho que uma palavra, inteiro desengonçado (que é outra palavra perfeita). Olho mais uma vez pela janela, nesse horizonte estranho, atrás de um bom assunto (uma palavra que sempre me soa vazia), e simplesmente confirmo o que já sei, a 800 km de Curitiba: não consigo escrever longe de casa.

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