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Assim que me tornei professor da Universidade Federal de Santa Catarina, em meados dos anos 1980, deflagrou-se uma greve, a primeira que vi de perto, e que foi talvez a mais longa de todas, contra o governo Figueiredo, em seus estertores. Lembro da emoção quase revolucionária daquele momento iniciático. De manhã, professor novato, eu ia entusiasmado colar cartazes e fazer ponto nas esquinas, pedindo dinheiro para o fundo de greve; de tarde, aproveitava o tempo ocioso, mas precioso, para escrever o romance Aventuras provisórias, refugiado numa casa da Lagoa, como se eu ainda fosse um jovem alternativo. Era o fim da ditadura, e a resistência da universidade pública ganhava uma aura sagrada frente aos "gorilas" ainda no poder. Quanto a isso, nem seria preciso temer – na verdade, ninguém foi mais estatizante que os generais da ditadura.

O problema era salário, diante da inflação devoradora. Mas, com a correção monetária, que pagava juros diários a quem tivesse conta em banco, foi-se ampliando mais ainda a clássica separação entre ricos e pobres, à custa do dinheiro do Estado – isto é, de todos. O funcionalismo federal pairava, soberano, sobre a média nacional, contando também com o privilégio da aposentadoria especial que não existia em nenhum outro país do mundo, e cuja manutenção no longo prazo – todos sempre souberam disso – era inviável.

Além disso, havia a luta, enfim vitoriosa, pela democratização das instâncias de poder da universidade, com eleições para reitor e cargos de chefia. Assim, democrática e generosa, a universidade se tornou uma espécie de arquipélago da utopia socialista, espalhado pelo país. Fui professor durante mais de 20 anos e em quase todos havia greve, sempre confortável, com salários na conta todo fim de mês, mesmo sem aula. Pouco a pouco, o brutal desperdício de tempo – meses de férias coletivas, com o progressivo desmantelamento da qualidade – foi minando o entusiasmo "revolucionário"; cada nova greve me soava mais absurda, o palavrório se reduzindo a palavras truculentas de ordem, com os ideários, hoje cartilhas, já concentrados na mão profissional de sindicatos. Não há nenhum projeto novo de universidade brasileira, que, apesar de certamente concentrar a melhor inteligência brasileira em todas as áreas, afunda-se paradoxalmente na irrelevância. As eleições internas caíram na armadilha populista e repetem em escala miúda o fisiologismo político nacional, como se a universidade fosse uma maquete do Estado. A máquina das federais tem sido incapaz de propor qualquer coisa que não seja a própria manutenção – são as "conquistas da luta", como repetem os chavões.

A educação é uma das duas grandes tragédias brasileiras (a outra é a violência); a universidade poderia ter um papel central para repensá-la radicalmente, antes que se torne em definitivo apenas mais uma corporação obsoleta e tentacular.

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