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A primeira pergunta que faço diante da crise de Honduras não é exatamente quem tem ou não tem razão – é quem vai mor­­rer. Duas pessoas já morreram. Foram defender alguma coisa na rua e levaram um tiro de hondurenhos que talvez não soubessem o que estavam fazendo ali. Não tenho informação de­­talhada. As notícias simplesmente diziam, de acordo com a inclinação dos jornais: "Nos confrontos entre os manifestantes e as forças do governo", ou "Nos confrontos entre os golpistas e os re­­sistentes", etc., duas pessoas morreram. Ficou talvez alguma viúva, ou uma mãe, ou um irmão mais novo – não quero sentimentalizar a história. Aliás, esse breves mortos jamais terão nomes.

No momento em que escrevo há um presidente eleito deposto de pijama e um outro que assumiu o poder por ordem da Su­­prema Corte. Há massas famintas gritando pelas ruas, negros ou índios em regime de escravidão lutando por seus direitos, uma situação social em limite de explosão a ponto de refundar o contrato civil da nação? Apa­­rentemente, não – nenhuma revolução em curso. Trata-se apenas do velho e bom controle da máquina do Estado. Não há mais nada em jogo. Cometeram a burrice de tirar Zelaya à força e criaram um monstro que tem tudo para se tornar outro longevo Papai Noel dos tristes trópicos. Ao contrário das revoluções cinematográficas dos livros de história, a crise de Honduras transformou-se num debate técnico, discutido em outras instâncias – a OEA, a Casa Branca, o Palácio de Chávez –, em que de um lado está o "bolivarianismo", a versão atual do magma colérico da América Latina, e de outro a neutra contrapartida le­­gal-institucional de um país sem previsão de impeachment – até nisso o Brasil, que nunca tem nada a ver, deu sorte. Collor não voltou à força de armas; voltou nos braços de Lula.

Os especialistas políticos desdobram as complexas implicações do imbróglio. Mas, a essa altura do espetáculo, a única coisa que realmente interessa ao cronista ingênuo são os que vão morrer, se houver confronto. Depois da primeira tentativa de Zelaya entrar no país, ao som de fanfarras, talvez vejamos a reprise de um filme riscado em preto e branco com o pianista tocando ao vivo: as barricadas, o desembarque do deposto, as tropas oficiais e as tropas "revolucionárias", as bombas, o tiroteio, os jatos de água, as palavras de or­­dem, o circo completo. É duro ter de aguentar de novo esses chamados da "pátria". Que ponham os presidentes a duelarem com espadas de pau na praça central de Tegucigalpa, hasta la muerte! Quem ganhar, leva. Não vai fazer diferença nenhuma. Mas pelo menos serão poupados os soldados, os jovens manifestantes, os curiosos, os perdidos, os idealistas com ou sem causa, os autômatos furiosos, os repetidores de slo­­gans, todas as pequenas bu­­chas de canhão que mais uma vez vão morrer nas ruas para dar emprego aos pilantras de sempre.

Cristovão Tezza é escritor.

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