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Talvez uma das metáforas mais claras para indicar o império do indivíduo sobre a comunidade que vem marcando o Terceiro Mun­­do, seja a arquitetura e o urbanismo, ou desurbanismo, modernos. Em outras palavras, ficando entre nós: as cidades brasileiras são muito feias. Salvo poucas ex­­ceções, em geral bolsões revitalizados de centros urbanos que ga­­nham uma sessão de UTI e que logo se tornam quase que espaços isolados, bolhas civilizadas protegidas num mar de feiura, a paisagem urbana do Brasil é desoladora.

Primeiro, porque não há mais a mínima unidade arquitetônica em nada – em geral, horrendos caixotes de concreto vão se espremendo ao sabor do mau gosto, da especulação e do barateamento, prédios antigos vão sendo demolidos, e tudo se cobre inapelavelmente de outdoors, cartazes gi­­gantes, placas horrorosas, faixas medonhas em ruas cruzadas por um emaranhado de fios, emendas e gambiarras que se amon­­toam em postes fora de prumo. E, segundo, porque embaixo de tudo, vivendo um subcapitalismo selvagem, mendigos e camelôs disputam a tapa cada centímetro das calçadas estreitas, esburacadas e sujas. Entre uma e outra, uma lenta procissão de carros se arrasta nesse pátio de milagres, em meio à dança dos pedestres tentando ir de um lugar a outro.

Exagero? Pois é só andar pelo Brasil afora e descobrir que essa é a norma – e quanto mais periférico o bairro, mais intensa a selvageria. Certo, só a vontade da prancheta não basta – num país em que boa parte da população vive de trabalho informal, tudo vai se informalizando até o limite do caos. Certo, falta dinheiro e também a tal "vontade política"; falta até mesmo simples arquitetura. Em última instância, falta enfim aquela cultura visual mínima que nos leva a escolher as formas de um vaso sobre uma mesa qualquer pelo seu simples equilíbrio de cores. E o invencível privilégio do automóvel sobre o transporte coletivo, somado ao crescente apartheid geográfico que vai reservando espaços privilegiados cercados às classes médias assustadas, enquanto se abandona ao deus-dará o resto da cidade para os pobres mais assustados ainda, dão o perfil do pessimismo contemporâneo: um país feio e violento, e que tem tudo para piorar.

E o que era para ser assunto da crônica acabou ficando para trás – é que andei viajando por aí e voltei correndo a Curitiba, a tempo de ouvir a boa notícia de que a Rua Riachuelo está sendo reurbanizada; e, mais, que o velho Cine Luz irá para lá. Tenho uma profunda ligação sentimental com essas marcas clássicas do espaço em torno do Centro de Curitiba, e uma boa memória do tempo em que o coração da cidade ainda circulava nas calçadas e nos cafés, mesmo à noite. Não, não é saudosismo: sei que o que precisa ser salvo com urgência é o futuro, não o passado, e justo por isso recuperar essas marcas do tempo é um bom recomeço.

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