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Comecei mal o ano: às 5 da manhã do primeiro dia, um bip do telefone informou que eu acabava de fazer uma compra de 59,99 dólares com meu cartão de crédito; como havia uma impossibilidade metafísica de eu ser o autor da compra, levantei-me acabrunhado – nunca pensei que um dia eu usaria essa palavra! –, com uma sensação invencível de que não podia deixar aquilo para mais tarde, e fui ao telefone enfrentar uma funcionária abnegada que, depois de uma sequência gentil de pegadinhas para saber se eu era eu mesmo, anulou meu cartão de crédito, com a respectiva senha, já encomendando um novo, enquanto me instruía a enviar uma mensagem solicitando o estorno do débito. Fiquei muito contente com a eficiência da funcionária, trabalhando àquela hora do primeiro dia do ano, de tal forma que ainda respondi a uma gravação dando nota dez ao atendimento e à moça e ainda desejando à máquina falante um feliz ano novo. Mandei a mensagem formal adequada ao banco, conforme as instruções, e com o profundo sentimento de dever cumprido voltei me arrastando à cama, até que me assaltou uma nova ansiedade, uma pequena dúvida que se transformou, como num pesadelo, em poucos segundos, no terror da certeza: os 59,99 dólares eram o débito automático de uma assinatura anual da revista The New Yorker, que eu havia feito pela internet exatamente há um ano, dando-me a revista de presente para começar bem 2013, com os votos de praticar meu pobre inglês, e que, portanto, nada havia de errado na cobrança.

Que fazer? Deixar para depois? Não. Sou um curitibano radical. Nada de coisa pela metade. Dei meia volta e lá estou eu ao telefone para desfazer o malfeito, antes que fosse tarde – mas, é claro, era tarde. A máquina infernal da informática já havia feito seu serviço implacável, de modo que nem senha mais eu tinha para acessar o atendimento personalizado, vendo-me despojado dos números mágicos do meu cartão como um soldado expulso do Exército por desonra, tendo as dragonas arrancadas do ombro e os botões de prata cortados a fio de espada, tudo em praça pública e ao som de cornetas, e se eu quisesse de novo meus direitos teria de seguir a romaria dos pobres mortais na fila do banco para recomeçar minha vida, pedindo perdão por minha incompetência!

Não me entreguei ao desânimo. Escapista, estendi a mão para a cabeceira e comecei a ler A hora terna do crepúsculo (Biblioteca Azul), um relato maravilhoso do editor americano Richard Seaver sobre a Paris dos anos 1950, para onde ele foi, jovem e pobre, fundar uma revista de vanguarda, encontrar escritores como Beckett e Sartre e se apaixonar por uma mulher como Patsy ("Nunca se apaixone por mim", ela dizia, e tinha razão). Um livro saboroso, um texto finíssimo e envolvente, que foi dissolvendo meu mau humor e criando um denso sentimento de felicidade. Pensando melhor, um bom começo de ano.

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