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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Escrevo do Amazonas, a duzentos quilômetros de Manaus, Rio Negro acima, no convés de um belo navio. Participo de um evento exótico, promovido e produzido pela Livraria da Vila, de São Paulo: um breve cruzeiro de uma semana na região que inclui pesca de piranhas, contato com botos cor-de-rosa e visita às entranhas impressionantes da mata navegando na enchente anual do rio que forma um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo (tudo aqui é superlativo, e não é retórica). E mais – e nisso peguei uma carona maravilhosa – encontros com escritores, o que faria desta viagem tanto um roteiro de um romance de Agatha Christie, com assassinatos singulares resolvidos pelos bigodes racionais de Hercule Poirot, quanto uma espécie simpática de República de Platão, em que, do café da manhã à bebida da madrugada, conversa-se sobre tudo e sobre nada, sem pressa. Sem conexão com internet, celulares milagrosamente mudos, nenhum mosquito (as águas do Rio Negro são ácidas demais para que eles se criem por aqui, é o que nos explicam), os dias passam saborosos, no privilégio de uma vagabundagem, digamos, peripatética.

O primeiro medo foi desligar da internet. À saída de Manaus, os 70 passageiros aferravam-se aos celulares, acumulando aflitos um resto de oxigênio digital que garantisse a sobrevivência na semana sombria que se avizinhava. Mas não houve trauma – 24 horas depois, eu já não sentia mais nenhuma reação adversa pela solidão sideral, e fora um ou outro jornalista subindo ao mastro, braço estendido atrás de um sinal impossível, as pessoas pareciam todas normais. O Rio Negro se arrasta lento e magnífico – cheguei a sentir alguns calafrios poéticos diante do pôr do sol, que refreei, para admirar as cores no céu e a cerveja no copo.

Claro, e é preciso trabalhar, porque não existe almoço grátis, principalmente para escritores. Já fiz de quase tudo na vida, mas é a primeira vez em que os escritores somos, por assim dizer, atrações turísticas, como o tucuxi, a capivara e os índios, que se paramentam, na sempre triste pobreza que marca a passagem da vida selvagem para a aculturação inevitável, quando recebem turistas, tiram fotografias e trocam espelhinhos.

No auditório-bar do navio, acontecem sessões literárias saborosas. É ótimo ouvir Laurentino Gomes conversando com Mary del Priore sobre episódios da História brasileira, ou trocar figurinhas com o angolano José Eduardo Agualusa sobre literatura. O grupo musical Mawaca anima a viagem. Há contação de histórias com Ilan Brenman, sessões de gastronomia temática e divulgação de projetos de educação e cultura na Amazônia, do grupo Vaga Lume. Tudo bem, parece até uma crônica chapa-branca, mas é que o encontro está bom mesmo. Agora vou tentar achar uma nesga de internet, assim que o navio se aproxime de uma beira civilizada, para despachar o texto ao mundo real.

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