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Na sexta-feira passada, ao receber o abraço de alguns amigos que passaram ocasionalmente pelo tradicional Bar Stuart, o percussionista e compositor Fernando Loko brindou os seus 70 e tantos anos de vida – sem contar suas aventuras por esse mundo afora – com água mineral e um respeitável tarja preta, santo remédio para quem se desentendeu com o álcool em legítima defesa.

Com uma história na cena musical paranaense de se perder de vista – no auge em 1967, quando formou ao lado de Lápis, Anadir Salles e Dalton Contim o mítico conjunto Bitten IV –, o antoninense Fernando Fernandes Mariotto Alves de Oliveira recebeu efusivos cumprimentos com seu jeito elétrico de sempre, para depois marcar com as mãos o ritmo da rumba chá-chá-chá da Vila Hauer, uma das mais de 200 canções de sua irreverente e bem humorada composição:

“Fui convidado pruma festa de igreja / Pra Vila Hauer eu me joguei / Encontrei una chiquita / E por ela me apaixonei / Vila, Vila, Vila Hauer / Vila Hauer de mi corazon! / Se non fuera en Vila Hauer / Que se fuera en mi Boqueron, mi Boqueron, Que se fuera em Boqueron”.

O Bar Sem Nome há muito não existe mais na Avenida João Gualberto e o Loko anda com o olho mais vivo que nunca

“E a noite curitibana, Fernandinho? Não é mais aquela ou você que já não é mais o mesmo?”, o circunstante pergunta, e ele responde: “O velho não tá morto. Mas a verdade é que não quase não tem mais lugar pra ir. Parece que na noite músico bom é músico pobre e doente. Morto, melhor ainda”.

Bem antes de operar os olhos de duas cataratas que o faziam “tropeçar nas vacas e dar milho pra bicicleta”, como ele mesmo se julgava, Fernando Loko tinha um bar em Curitiba chamado Bar Sem Nome, que simplesmente não tinha portas. Não fechava nunca, portanto, e tinha uma sala nos fundos onde um caixão de defunto fazia as vezes de mesa da diretoria e símbolo da situação dos músicos paranaenses.

Certa tarde ele se encontrava solitário no boteco quando foi assaltado por dois elementos, um deles armado: “Simpatia, passa a grana!” Porque fazia parte de sua natural simpatia, Fernandinho abriu um sorriso e, com seu jeito malandro, convidou os recém-chegados para um drinque no meio da tarde: “Camaradagem, sou da paz. Faço questão de oferecer um trago, antes de qualquer coisa. Até porque o caixa está vazio e vamos ter de negociar”.

Os meliantes se entreolharam e, surpreendidos com a inesperada receptividade, aceitaram o armistício etílico. E, na segunda rodada de tragos, Fernando Loko fez a proposta ainda mais surpreendente: “Vocês me fariam a gentileza de tomar conta do balcão por um tempinho, enquanto vou ao mercado comprar limão, gelo e carvão?”

Fernandinho passou o comando do estabelecimento aos rapazes e foi buscar o necessário. Retornou com os assaltantes em pleno exercício de suas novas atribuições, já servindo a freguesia, como se fossem dois novos e empenhados funcionários.

Depois de uma noite de tragos e trabalhos no Bar Sem Nome, quase recuperados para a sociedade, os dois elementos foram presos por arruaça e vadiagem no Juvevê, a caminho do Centro da cidade.

O Bar Sem Nome há muito não existe mais na Avenida João Gualberto e o Loko anda com o olho mais vivo que nunca. Nas rodas de bambas, continua sendo, pois da cadência do samba não se esquece jamais. Se hoje não carrega mais o bumbo que o iniciou como um dos maiores percussionistas brasileiros, leva consigo a autoria da frase que caracteriza a mais famosa rua da boemia curitibana: “Cada um tem a sua cruz. A minha é a Cruz Machado”.

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